A espantosa ode a São Francisco de Assis
1
Meu são Francisco de Assis, Francisco de Assim, poverello, ou como te chame a sabedoria dos povos e dos homens
Este é Vinicius de Moraes, de quem se podia dizer – o poeta – se jamais alguém o pudesse ser depois de ti.
2
Este é o impuro, o inconstante, o trágico, o leproso e possivelmente o morto
Que vem a ti o fiel, o calmo, o humano, o constante.
3
Este é o que sacrifica a vida pelo prazer da hora, e se desgraça
Que vem a ti que sacrificaste a vida pela eternidade e pela graça.
4
Este é o homem da mulher, o homem da carne, o homem da terra
E que te ama santo da Mulher, santo da Carne, santo da Terra.
5
Este é o que peca e não se arrepende, o supliciador e o criador do espasmo
E que te exalta irmão humilde e louco, confidente, e inventor do êxtase.
6
Este é o mágico do desespero, o inquisidor e o sedutor, o poeta triste
Que te proclama o rei, entre todos, amante sem mácula.
7
Meu são Francisco de Assis! acolhe teu amigo e teu criado
Que partiu para sempre e se perdeu, e nunca mais foi encontrado.
8
Tenho um mistério a te dizer, mas quem sabe não o ouvirias
Vendo-me criança – se é que eu fui criança um dia!
9
Ó dá-me teu sorriso, são Francisco, e me purifica
E liberta-me da vã palavra de sonho que me impurifica!
10
Eis que converti meu demônio a mim e meu anjo a mim
E me sinto demais em mim mesmo e quisera me despedaçar em ti.
11
Porque me sinto covarde de não poder dormir e precisar fechar a porta
Ao vento frio ou ao chamado sombrio da pureza morta.
12
És tu um dom da minha miséria e serias o mesmo
Se eu fosse como tu mesmo? – e te proclamaria?
13
E [...] porque amo a miséria em mim que me deposita
Porque
14
E [ ... ] porque aceito minha depravação e faço a minha queixa sem piedade
E de todos tenho piedade menos de mim – e não há salvação para minha piedade
15
Sou digno como o animal nobre que morre em silêncio e sem lágrimas
E não tem limbo ou purgatório, céu ou inferno para a sua alma.
16
Mas sou impuro como a terra que recebe a consumação da carne
E astuto como o fogo e plástico como a água.
17
Meu são Francisco, ouve o meu voto e compreende o meu vazio
E me aquece do frio, e me protege do sonho sombrio.
18
Tu és a Palavra – a palavra inexistente – a poesia
Que eu busco sem tréguas, que busco de noite e que busco de dia.
19
Não creio em Deus mas creio em ti – Deus é minha melancolia
Tu és minha poesia – ou quando não seja o amor que ela se deseja
20
Tenho o lar e tenho o mar, e nada tenho
Tenho a emoção – tenho-a? – nem pranto mais blues.
21
Na verdade muitas coisas eu tenho, e muita razão de ser feliz
Se não existisses talvez – mas exististe, São Francisco de Assis!
22
És a infância não vivida, és a mocidade não merecida
És tudo de justo feito injusto pela catástrofe da vida.
23
Ninguém o sabe senão tu – nem mesmo eu sei! nesse momento
Meu pensamento é tédio mas amanhã pode ser contentamento.
24
Porque há em mim uma fonte pura de mal que me embriaga
De bem, mas que subitamente me estanca o que me falta.
25
É a mulher, essa que me suporta e que me acaricia
E a quem acaricio, e a quem eu rio e que se ri.
26
Não fosse ela, e eu estaria como Jó te mentindo,
Porque o poeta é a semente da mentira se, no desespero, só.
27
Dou-te meu voto além da mulher! é a criança que te fala
Quando subitamente se conheceu menino no grande silêncio de uma sala.
28
Quando brincando com o próprio sexo o surpreendeu sensível
E o viu inteligente e emocionado e não compreendeu.
29
E que criou sozinho a primeira forma nua para o prazer contemplativo E que se deu a ela desvairado do mistério de se saber vivo.
30
E que a transportou na memória em amor e que foi traído
Pelo toque de outra mão menos pura e mais desmerecida.
31
E que foi seviciado antes do sêmen pela desventura
Feito mulher, e a perdoou, e a amou, e a fez sua criatura.
32
E que foi iniciado nos prazeres da carne como o inocente aprendiz
A quem a mulher diz – Faz! e ele faz, tal como eu fiz.
33
Antes do sêmen! e não morri – e bela fiz minha criatura
Eis por que não há salvação e eu amo a minha degradação e impostura.
34
Porque eu sou o sedutor, se seduzido, e o erótico, se seviciado
E o amante, se querido, e o perdido, se privilegiado.
35
Porque fazemos um – eu e a mulher – e não há dois arrependimentos
Para um só corpo – nem duas salvações para um só sentimento.
36
E se alguém não vem comigo eu não quero ir, porque não sou sozinho
E se eu fosse sozinho não estava nesse momento clamando de ti
37
Meu são Francisco de Assis! ouve tu ao menos a minha inefável miséria
Sem perdão e sem consolação e sem fim nos caminhos da Terra.
38
Ouve o apelo mais íntimo, o que não está nas minhas palavras
E que está no meu ser infeliz e no ser infeliz que eu crio à minha passagem.
39
O santo, o herói e o poeta – três penitências do mundo
Tu, santo, herói e poeta – uma penitência em mim.
40
Nunca te verei no céu, nem nunca me verás no inferno
Mas hei de te escutar no estio, e tu me escutarás no inverno.
41
Não me verás no céu porque não há paixão para a serenidade
Nem no inferno porque não há castigo para a fatalidade.
42
Mas eu te escutarei aqui na Terra, entre as grandes árvores
A cabeça no seio da amiga, e a quem eu falo como ao pássaro.
43
Um dia deixarei a cidade da minha angústia e sua torre
E irei a Assis entre colinas me abandonar à tua saudade.
44
E dá-me nesse dia de chorar todas as lágrimas contidas
E de me perder em mim o pranto e de me ajoelhar no teu sepulcro.
45
Ó grande santo louco, meu irmão, taumaturgo em minha alma
Taumaturgo – palavra que contém silêncio e que me acalma!
46
Just now I have been in a [ ... ] party in the Magdalen's cloister
And there was an Armenian [ ... ] all the others.
47
Good inocent peopte [ ... ] some liquor in their rooms
But was a bloody phantom between them, so help me God!
48
Eu sou o conhecimento perfeito das coisas e dos homens
Linchai-me! eu sei todos os segredos, e eu me abandono.
49
Nunca criatura criada foi tão pagã como eu, so help me God!
Arrastando meu ser à execração e à contemplação quieta da morte.
50
Em vão te direi – ou não? – porque não vens beber meu vinho
Na minha mesa, e poderíamos falar com mais carinho.
51
São Francisco de Assis! meu irmão, meu único inimigo
No céu, eu te maldigo, eu te bendigo. Eu me persigno!
52
Tive uma jetatura: a mulher; uma aventura: a poesia
Uma desventura: a delicadeza. Sou delicado, não peço, mendigo!
53
Mendigo: mendigo o pão de meus pais, o amor de meus amigos
Mas só a mulher me persegue e só à mulher eu persigo.
54
Santo! tenho gana de te dizer: foge de mim! evita o meu contato escuro
Porque eu sou puro na maldade e puro na sinceridade e impuro.
55
Quatro livros escrevi – e sou tão moço! e nada compreendo de mim
Senão que sou cruel com a mulher, e que minha angústia não tem fim.
56
Fui buscado, também. Buscou-me a sociedade, o anfitrião
E eu fui mendigo em meu salão e me desprezei e disse não.
57
E me mandaram a Oxford, e eu disse não, e vi jovens viscondes
Que temeram meu pudor, e eu disse não, e me persigno!
58
Tudo é magia! Lembras-te? o silêncio fantástico das noites
E a alma bêbada de emoção? e nenhum pouso.
59
Ah, que a vida não tem solução. Muitos o disseram
E
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