sábado, outubro 20, 2012

Álvaro de Campos foi ao cais para não esperar ninguém. E regressa à cidade como à liberdade, porque vale a pena existir para ao menos deixar de sentir.


Vai pelo cais fora um bulício de chegada próxima

Vai pelo cais fora um bulício de chegada próxima,
Começaram chegando os primitivos da espera,
Já ao longe o paquete de África se avoluma e esclarece.
Vim aqui para não esperar ninguém,
Para ver os outros esperar,
Para ser os outros todos a esperar,
Para ser a esperança de todos os outros.
Trago um grande cansaço de ser tanta coisa.
Chegam os retardatários do princípio,
E de repente impaciento-me de esperar, de existir de ser,
Vou-me embora brusco e notável ao porteiro que me fita muito mas rapidamente.
Regresso à cidade como à liberdade.
Vale a pena existir para ao menos deixar de sentir.

Álvaro de Campos, um dos heterônimos de

Fernando Pessoa
(1888-1935)

Mais sobre Fernando Pessoa em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Fernando_Pessoa

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