quarta-feira, agosto 22, 2012

A meditação do Duque de Gandia sobre a morte de Isabel de Portugal, por Sophia de Mello Breyner. E que ninguém repita o seu nome proibido.


Meditação do Duque de Gandia sobre a morte de Isabel de Portugal


Nunca mais
A tua face será pura, limpa e viva
Nem o teu andar como onda fugitiva
Se poderá nos passos do tempo tecer.
E nunca mais darei ao tempo a minha vida.

Nunca mais servirei Senhor que possa morrer.
A luz da tarde mostra-me os destroços
Do teu ser. Em breve a podridão
Beberá os teus olhos e os teus ossos
Tomando a tua mão na sua mão.

Nunca mais amarei quem possa viver
Sempre.
Porque eu amei como se fossem eternos
A glória, a luz e o brilho do teu ser,
Amei-te em verdade e transparência
E nem sequer me resta a tua ausência,
És um rosto de nojo e negação
E eu fecho os olhos para não te ver.

Nunca mais servirei Senhor que possa morrer.

Aquele que partiu
Precedendo os próprios passos como um jovem morto
Deixou-nos a esperança.

Ele não ficou para conosco
Destruir com amargas mãos seu próprio rosto.
Intacta é a sua ausência
Como a estátua de um deus
Pouapada pelos invasores de uma cidade em ruínas.
Ele não ficou para assistir
 morte da verdade e à vitória do tempo.

Que ao longe,
Na mais longínqua praia,
Onde só haja espuma, sal e vento,
Ele se perca, tendo-se cumprido
Segundo a lei do seu próprio pensamento.

E que ninguém repita o seu nome proibido.

Sophia de Mello Breyner

(1919-2004)

Mais sobre Sophia de Mello Breyner em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Sophia_de_Mello_Breyner

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