quarta-feira, setembro 29, 2010

Na memória de José Saramago, há um rio onde navegam os barcos da infância. E tudo quanto é rio abre no canto que conta do retrato a velha história.


Retrato do poeta quando jovem

Há na memória um rio onde navegam
Os barcos da infância, em arcadas
De
ramos inquietos que despregam
Sobre as águas as folhas recurvadas.

Há um bater de remos compassado
No silêncio da lisa madrugada,
Ondas brancas se afastam para o lado
Com o rumor da seda amarrotada.

Há um nascer do sol no sítio exacto,
À hora que mais conta duma vida,
Um acordar dos olhos e do tacto,
Um ansiar de sede inextinguida.

Há um retrato de água e de quebranto
Que do fundo rompeu desta memória,
E tudo quanto é rio abre no canto
Que conta do retrato a velha história.
 
José Saramago
(1922-2010)
 

Um comentário:

Henrique Rodrigues Soares disse...

De vez em quando é bom passear neste rio.

Sds.