quarta-feira, setembro 22, 2010
João Cabral sente como é difícil ser funcionário naquela segunda-feira. E telefona para o amigo Carlos, o Drummond de Andrade, pedindo conselho.
Difícil ser funcionário
Difícil ser funcionário
Nesta segunda-feira.
Eu te telefono, Carlos,
Pedindo conselho.
Não é lá fora o dia
Que me deixa assim,
Cinemas, avenidas
E outros não-fazeres.
É a dor das coisas,
O luto desta mesa;
É o regimento proibindo
Assovios, versos, flores.
Eu nunca suspeitara
Tanta roupa preta;
Tampouco estas palavras -
Funcionárias, sem amor.
Carlos, há uma máquina
que nunca escreve cartas;
Há uma garrafa de tinta
Que nunca bebeu álcool.
E os arquivos, Carlos,
As caixas de papéis:
Túmulo para todos
Os tamanhos de meu corpo.
Não me sinto correto
De gravata de cor,
E na cabeça uma moça
Em forma de lembrança.
Não encontro a palavra
Que diga a esses móveis.
Se os pudesse encarar...
Fazer seu nojo meu...
Carlos, dessa maneira
Como colher a flor?
Eu te telefono, Carlos,
Pedindo conselho.
João Cabral de Melo Neto
(1920-1999)
Mais sobre João Cabral de Melo Neto em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Jo%C3%A3o_Cabral_de_Melo_Neto
(/code)
(code)
Marcadores:
João Cabral de Melo Neto
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário