quarta-feira, julho 22, 2009

O olhar dela ferirá Abgar Renaut infalível. E ele não tem forças para esperá-la naquela cama, fazendo a barba ou bêbado e escondido como um rato.


A ela outra vez


Como é duro esperar-te, sem querer-te,
na solidão de seitas e esperanças!
Pensar em ti assola a minha vida,
destrói raízes, folhas, flores, frutos
e fecha os mais próximos horizontes,
lembrando a cada passo e a cada gesto
a gruta de ursos e de surdos-mudos.
Eu temo os teus anúncios sem palavras,
teus passos de silêncio, sombra ou treva,
teu relógio tranquilo e a foice mágica
por ele comandada noite e dia;
temo, nulo, o desfecho do teu golpe
que dilacerará meu mapa triste,
no qual não vejo como caminhar,
mas procuro, com os olhos e com as unhas,
um buraco de nada que me oculte
do poderio do teu faro e mão.
Como, quando e em que rápido motor
viajará e certeira me acharás
não sei: somente sei que o teu olhar
me ferirá de súbito e infalível
e não tenho nem forças, nem enganos
para esperar-te aqui, aquém, além,
entre estes livros ou naquela cama,
assentado ou de pé, fazendo a barba
ou bêbado e escondido como um rato.

Abgar Renault
(1901-1995)

Mais sobre Abgar Renault em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Abgar_Renault

Nenhum comentário: