quarta-feira, setembro 28, 2011

Para Drummond, o amor é um segundo nascimento, um nascer de novo. É no amor que o poeta encontra a descoberta de sentido no absurdo de existir.


Nascer de novo

Nascer: fincou o sono das entranhas.
Surge o concreto,
a dor de formas repartidas.
Tão doce era viver
sem alma, no regaço
do cofre maternal, sombrio e cálido.
Agora,
na revelação frontal do dia,
a consciência do limite,
o nervo exposto dos problemas.

Sondamos, inquirimos
sem resposta:
Nada se ajusta, deste lado,
à placidez do outro?
É tudo guerra, dúvida
no exílio?
O incerto e suas lajes
criptográficas?
Viver é torturar-se, consumir-se
à míngua de qualquer razão de vida?

Eis que um segundo nascimento,
não advinhado, sem anúncio,
resgata o sofrimento do primeiro,
e o tempo se redoura.
Amor, este o seu nome.
Amor, a descoberta
de sentido no absurdo de existir.
O real veste nova realidade,
a linguagem encontra seu motivo
até mesmo nos lances de silêncio.

A explicação rompe das nuvens,
das águas, das mais vagas circunstâncias:
Não sou Eu, sou o Outro
que em mim procurava seu destino.
Em outro alguém estou nascendo.
A minha festa,
o meu nascer poreja a cada instante
em cada gesto meu que se reduz
a ser retrato,
espelho,
semelhança
de gesto alheio aberto em rosa.

Carlos Drummond de Andrade
(1902-1987)

Mais sobre Carlos Drummond de Andrade em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Carlos_Drummond_de_Andrade

2 comentários:

Anônimo disse...

Repetindo poemas??? Este é do dia 18!

JOSE ANTONIO LEAO RAMOS disse...

Rs, é verdade, falha minha.
E mostra como este poema me marcou a ferro e fogo.
Ontem passei um bom tempo procurando um poema do Drummond para publicar hoje, bati os olhos neste, li algumas vezes, me lembrei de alguém, e quando dei por mim já estava publicado, inclusive com um novo título.
Pior, quando fiz a verificação de sempre, na caixa de pesquisas do Google, não apresentou nenhum resultado...
Se você não tivesse me avisado, nem teria me dado conta.
Coisas da vida.
Acontece.
Aliás, tudo pode acontecer, inclusive nada.
Obrigado pela colaboração, Anônima.
Lamento a desventura.

O Editor