domingo, setembro 20, 2009
Machado de Assis diz que choverão bênçãos divinas aos vencedores da luta. E que de cada lágrima enxuta nasce uma graça no céu.
Daqui deste âmbito estreito
Daqui, deste âmbito estreito,
Cheio de risos e de galas,
Daqui, onde alegres falas
Soam na alegre amplidão,
Volvei os olhos, volvei-os
A regiões mais sombrias,
Vereis cruéis agonias,
Terror da humana razão.
Trêmulos braços alçando,
Entre os da morte e os da vida,
Solto a voz esmorecida,
Sem pão, sem água, sem luz,
Um povo de irmãos, um povo
Desta terra brasileira,
Filhos da mesma bandeira,
Remidos na mesma cruz.
A terra lhes foi avara,
A terra a tantos fecunda;
Veio a miséria profunda,
A fome, o verbo voraz,
A fome? Sabeis acaso
O que é a fome, esse abutre
Que em nossas carnes se nutre
E a fria morte nos traz?
Ao céu, com trêmulos lábios,
Em seus tormentos atrozes,
Ergueram súplices vozes,
Gritos de dor e aflição;
Depois as mãos estendendo,
Naquela triste orfandade,
Vêm implorar claridade,
Mais que à bolsa, ao coração.
O coração...sois vós todos,
Vós que as súplicas ouvistes;
Vós que às misérias tão tristes
Lançais tão espesso véu.
Choverão bênçãos divinas
Aos vencedores da luta:
De cada lágrima enxuta
Nasce uma graça do céu.
Machado de Assis
(1839-1908)
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