sexta-feira, janeiro 05, 2007

Eu amo a cruz que doloridamente carrego, é o mínimo que posso fazer da minha vida. E com doçura aceitar o sacrifício da noite, dizia Clarice.


Doçura


Nasci dura, heróica, solitária e em pé.
E encontrei meu contraponto na paisagem
sem pitoresco e sem beleza.
A feiúra é o meu estandarte de guerra.
Eu amo o feio com um amor de igual para igual.
E desafio a morte.
Eu - eu sou a minha própria morte.
E ninguém vai mais longe.
O que há de bárbaro em mim
procura o bárbaro e cruel fora de mim.
Vejo em claros e escuros os rostos das pessoas que vacilam às chamas da fogueira.
Sou uma árvore que arde com duro prazer.
Só uma doçura me possui:
a conivência com o mundo.
Eu amo a minha cruz,
a que doloridamente carrego.
É o mínimo que posso fazer de minha vida:
aceitar comiseravelmente o sacrifício da noite.

Clarice Lispector
(1920-1977)

Mais sobre Clarice Lispector em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Clarice_Lispector

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