quarta-feira, abril 03, 2013
Sobre a essência do amor, Mayakovsky escreveu uma carta de Paris ao Camarada Kostróv. Leia-a você também.
Carta de Paris ao Camarada Kostróv sobre a essência do amor
Perdoe
-me,
camarada Kostróv,
com sua habitual
largueza de vista,
se eu desperdiço,
as minhas estrofes
de Paris
em lírica imprevista.
Imagine:
uma beleza
entra na sala
vestindo peles e adereços.
A essa
bela presa
a minha fala
(não sei se
bem ou mal)
eu endereço:
Sou russo, camarada,
e sou famoso em meu país.
Já tive muitas namoradas
bonitas -
todas as que eu quis.
As mulheres
amam os poetas.
Sou vivo,
minha voz é de bom timbre.
Tonteio como éter.
Basta
ouvir-me.
Não me fisgam
com armas
sem valor.
Não caio
por qualquer charme.
Eu fui
para sempre ferido pelo amor -
mal e mal
posso arrastar-me.
Não meço
o amor
pelo matrimônio.
Deixou de amar -
passe bem!
Para mim,
camarada,
as cerimônias
valem
menos do que um vintém.
Para que ficar palrando?
Deixe de onda,
formosura,
eu não tenho mais vinte anos,
mas trinta...
e outros tantos
fora da conta.
O amor
não está
em ferver bruscamente,
nem está
em acender uma fogueira,
mas no que há
por trás
das montanhas do peito
e acima
da jangal-cabeleira.
Amar
é ir ao fundo do cercado
e até que a noite
- corvo negro -
chegue
cortar lenha
com chispas
no machado
e a nossa própria força
pôr em xeque.
Amar
é desfazer-se dos lençóis
que a insônia desarruma
e com ciúmes
de Copérnico,
a ele,
não o marido
da Maria dos Anzóis
considerar rival eterno.
O amor
não é paraíso nem geena.
Para nós
o amor
é o atestado
de que
outra vez se engrena
o coração
- motor enferrujado.
Você
rompeu o fio
com Moscou.
Os anos
criam
distâncias.
Como
explicar o que passou
assim de relance?
Na terra
há luzes - até o céu...
No céu azul
estrelas
a granel.
Se eu
não fosse poeta
seria astrônomo por certo.
A praça já se apinha.
Os coches rodam.
Eu passo
anotando linhas.
no meu livro de notas.
Correm
os carros
rente,
mas não me atropelam.
Entendem,
de repente: está em êxtase
por ela.
Sonhos,
visões,
excursos enchem-no
até os ossos.
Aqui
até os ursos
ganhariam asas.
E agora,
quando acabo de fervê-las,
num restaurante barato,
as palavras
soletram das letras
às estrelas
um cometa dourado.
Deixando
pelo céu um longo rastro,
brilha a plumagem do cometa,
para que os namorados
vejam os seus astros
de seus quiosques
de violetas.
Para acordar
e atrair
o apreço
desses
a que a visão já falha.
Para cortar
aos inimigos
a cabeça
com a longa cauda
luminosa
navalha.
Ouço
em meu peito
até o último pulsar
como se o estivesse
esperando
para um encontro:
o amor
a ressoar
simples e humano.
O furacão,
o fogo,
o mar
vêm vindo
furiosamente.
Quem
os pode
domar?
Você pode?
Experimente...
Vladimir Maiakovski
(1893-1930)
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