quarta-feira, abril 24, 2013

Em seu auto-retrato falado, Manoel de Barros confessa que se procurou a vida inteira e não se achou. Pelo que foi salvo.


Auto-retrato falado


Venho de um Cuiabá de garimpos e de
ruelas entortadas.
Meu pai teve uma venda no Beco da
Marinha, onde nasci.
Me criei no Pantanal de Corumbá entre
bichos do chão,
aves, pessoas humildes, árvores e rios.
Aprecio viver em lugares decadentes
por gosto de estar
entre pedras de estar
entre pedras e lagartos.
Já publiquei 10 livros de poesia: ao
publicá-los me sinto
meio desonrado e fujo para o Pantanal
onde sou
abençoado a garças.
Me procurei a vida inteira e não me
achei - pelo que
fui salvo.
Não estou na sarjeta porque herdei
uma fazenda de gado.
Os bois me recriam.
Agora eu sou tão ocaso!
Estou na categoria de sofrer da moral porque só faço
coisas inúteis.
No meu morrer tem uma dor de árvore.

Manoel de Barros
(1916)

Mais sobre Manoel de Barros em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Manoel_de_Barros

Nenhum comentário: