Balada do amor perfeito
Pelos pés das goiabeiras,
pelos braços das mangueiras,
pelas ervas fratricidas,
pelas pimentas ardidas,
fui me aflorando.
Pelos girassóis que comem
giestas de sol e somem,
por marias-sem-vergonha,
dos entretons de quem sonha
fui te aspirando.
Por surpresas balsaminas,
entre as ferrugens de Minas,
por tantas voltas lunárias,
tantas manhãs, cinerárias,
fui te esperando.
Por miosótis lacustres,
por teus cânticos ilustres,
pelos súbitos espantos
de teus olhos agapantos,
fui te encontrando.
Pelas estampas arcanas
do amor das flores humanas,
pelas legendas candentes
que trazemos nas sementes,
fui te avivando.
Me evadindo das molduras
de minhas albas escuras,
pelas tuas sensitivas,
açucenas, sempre-vivas,
fui me virando.
Pela rosa e o resedá,
pelo trevo que não há,
pela torta linha reta
da cravina do poeta,
fui te levando.
Pelas frestas das lianas
de tuas crespas pestanas,
pela trança rebelada
sobre o paredão do nada,
fui te enredando.
Pelas braçadas de malvas,
pelas assembléias alvas
de teus dentes comovidos,
pelo caule dos gemidos
fui te enflorando.
Pelas fímbrias de teu húmus,
pelos reclames dos sumos,
sobre as umbelas pequenas
de tuas tensas verbenas
fui me plantando.
Por tuas tuas arestas góticas,
pelas orquídeas eróticas,
por tuas hastes ossudas,
pelas ânforas carnudas,
fui te escalando.
Por teus pistilos eretos,
por teus acúleos secretos.
pelas úsneas clandestinas
das virilhas de boninas,
fui me criando.
Pelos favores mordentes
das ogivas redolentes,
pelo sereno das zínias,
pelos lábios de glicínias,
fui te sugando.
Pelas tardes de perfil,
pelos pasmados de abril,
pelos parques do que somos,
com seus bruscos cinamonos,
fui me espaçando.
Pelas violas do fim,
nas esquinas do jasmim,
pela chama dos encantos
de fugazes amarantos,
fui me apagando.
Afetando ares e mares
pelas mimosas vulgares,
pelos fungos do meu mal,
do teu reino vegetal
fui me afastando.
Pelas gloxínias vivazes,
com seus labelos vorazes,
pela flor que se desata,
pela lélia purpurata,
fui me arrastando.
Pelas papoulas da cama,
que vão fumando quem ama,
pelas dúvidas rasteiras
de volúveis trepadeiras
fui te deixando.
Pelas brenhas, pelas damas
de uma noite, pelos dramas
das raízes retorcidas,
pelas sultanas cuspidas,
fui te olvidando.
Pelas atonalidades
das perpétuas, das saudades,
pelos goivos do meu peito,
pela luz do amor perfeito,
vou te buscando.
Paulo Mendes Campos
(1922-1991)
Mais sobre Paulo Mendes Campos em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Paulo_Mendes_Campos
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