sábado, fevereiro 11, 2012

Ouvindo Beethoven, Saramago desafia os responsáveis por todas as injustiças. E adverte: quando nos julgarem seguros, chegará o dia das surpresas.


Ouvindo Beethoven


Venham leis e homens de balanças,
mandamentos d'aquém e d'além mundo.
Venham ordens, decretos e vinganças,
desça em nós o juízo até ao fundo.

Nos cruzamentos todos da cidade
a luz vermelha brilhe inquisidora,
risquem no chão os dentes da vaidade
e mandem que os lavemos a vassoura.

A quantas mãos existam peçam dedos
para sujar nas fichas dos arquivos.
Não respeitem mistérios nem segredos
que é natural os homens serem esquivos.

Ponham livros de ponto em toda a parte,
relógios a marcar a hora exacta.
Não aceitem nem queiram outra arte
que a presa de registro, o verso acta.

Mas quando nos julgarem bem seguros,
cercados de bastões e fortalezas,
hão-de ruir em estrondo os altos muros
e chegará o dia das surpresas.

José Saramago
(1922-2010)

Mais sobre José Saramago em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Jos%C3%A9_Saramago


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