segunda-feira, janeiro 30, 2012

Começa a haver meia-noite e a haver sossego, vai tudo dormir. E Álvaro de Campos fica sozinho com o universo inteiro, esperando qualquer coisa antes que durma, qualquer coisa.



Começa a haver meia-noite

Começa a haver meia-noite, e a haver sossego,
Por toda a parte das coisas sobrepostas,
Os andares vários de acumulação da vida...
Calaram o piano no terceiro andar...
Não oiço já passos no segundo andar...
No rés-do-chão o rádio está em silêncio...

Vai tudo dormir...

Fico sozinho com o universo inteiro.
Não quero ir à janela:
Se eu olhar, que de estrelas!
Que grandes silêncios maiores há no alto!
Que céu anticitadino! -
Antes, recluso,
Num desejo de não ser recluso,
Escuto ansiosamente os ruídos da rua...
Um automóvel - demasiado rápido! -
Os duplos passos em conversa falam-me...
O som de um portão que se fecha brusco dói-me...

Vai tudo dormir...

Só eu velo, sonolentamente escutando,
Esperando
Qualquer coisa antes que durma
Qualquer coisa.

Álvaro de Campos, um dos heterônimos de

Fernando Pessoa

(1888-1935)

Mais sobre Fernando Pessoa em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Fernando_Pessoa


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