quinta-feira, junho 30, 2011
Manuel Bandeira foi a um baile de terça-feira gorda. Enquanto uns tomavam éter, outros cocaína, o poeta tomava alegria.
Não sei dançar
Uns tomam éter, outros cocaína.
Eu já tomei tristeza, hoje tomo alegria.
Tenho todos os motivos menos um de ser triste.
Mas o cálculo das probabilidades é uma pilhéria...
Abaixo Amiel!
E nunca lerei o diário de Maria Bashkirtseff.
Sim, já perdi, pai, mãe, irmãos.
Perdi a saúde também.
é por isso que sinto como ninguém o ritmo do jazz-band.
Uns tomam éter, outros cocaína.
Eu tomo alegria!
Eis aí por que vim assistir a este baile de terça-feira gorda.
Mistura muito excelente de chás...
Esta foi açafata...
- Não foi arrumadeira.
E está dançando com o ex-prefeito municipal.
Tão Brasil!
De fato este salão de sangues misturados parece o Brasil...
Há até a fração incipiente amarela
Na figura de um japonês.
O japonês também dança maxixe:
Acugelê banzai!
A filha do usineiro de Campos
Olha com repugnância
Para a crioula imoral.
No entanto o que faz a indecência da outra
É dengue nos olhos maravilhosos da moça.
E aquele cair de ombros...
Mas ela não sabe...
Tão Brasil!
Ninguém se lembra de política...
Nem dos oito mil quilômetros de costa...
O algodão do Seridó é o melhor do mundo?...Que me importa?
Não há malária nem moléstia de Chagas nem ancilóstomos,
A sereia sibila e o ganzá do jazz-band batuca.
Eu tomo alegria!
Manuel Bandeira
(1886-1968)
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quarta-feira, junho 29, 2011
Vinicius não a ama como uma criança, nem como um homem e nem como um mendigo. Mas como se ama todo o bem que o grande mal da vida traz consigo.
Soneto de inspiração
Não te amo como uma criança, nem
Como um homem e nem como um mendigo
Amo-te como se ama todo o bem
Que o grande mal da vida traz consigo.
Não é nem pela calma que me vem
De amar, nem pela glória do perigo
Que me vem de te amar, que te amo; digo
Antes que por te amar não sou ninguém.
Amo-te pelo que és, pequena e doce
Pela infinita inércia que me trouxe
A culpa é de te amar - soubesse eu ver
Através da tua carne defendida
Que sou triste demais para esta vida
E que és pura demais para sofrer.
Vinicius de Moraes
Como um homem e nem como um mendigo
Amo-te como se ama todo o bem
Que o grande mal da vida traz consigo.
Não é nem pela calma que me vem
De amar, nem pela glória do perigo
Que me vem de te amar, que te amo; digo
Antes que por te amar não sou ninguém.
Amo-te pelo que és, pequena e doce
Pela infinita inércia que me trouxe
A culpa é de te amar - soubesse eu ver
Através da tua carne defendida
Que sou triste demais para esta vida
E que és pura demais para sofrer.
Vinicius de Moraes
(1913-1980)
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terça-feira, junho 28, 2011
Drummond descobriu que Deus é triste, criou triste. E que outra fonte não tem a tristeza do homem.
Deus triste
Deus é triste.
Domingo descobri que Deus é triste
pela semana afora e além do tempo.
A solidão de Deus é incomparável.
Deus não está diante de Deus.
Está sempre em si mesmo e cobre tudo
tristinfinitamente.
A tristeza de Deus é como Deus: eterna.
Deus criou triste.
Outra fonte não tem a tristeza do homem.
Carlos Drummond de Andrade
(1902-1987)
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domingo, junho 26, 2011
Alberto Caeiro tem dó de todos que levam a vida a querer inventar a máquina de fazer felicidade. Ele sabe o porquê.
Falas de civilização, e de não dever ser
Falas de civilização, e de não dever ser,
Ou de não dever ser assim.
Dizes que todos sofrem, ou a maioria de todos,
Com as coisas humanas postas desta maneira,
Dizes que se fossem diferentes, sofreriam menos.
Dizes que se fossem como tu queres, seriam melhor.
Escuto sem te ouvir.
Para que te quereria eu ouvir?
Ouvindo-te nada ficaria sabendo.
Se as coisas fossem diferentes, seriam diferentes: eis tudo.
Se as coisas fossem como tu queres, seriam só como tu queres.
Ai de ti e de todos que levam a vida
A querer inventar a máquina de fazer felicidade!
Alberto Caeiro, um dos heterônimos de
Fernando Pessoa
(1888-1935)
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sábado, junho 25, 2011
No post scriputum de Eugénio de Andrade, ela está de pé na orla dos seus versos. Ainda quente dos beijos que ele lhe deu.
Post scriptum
Agora regresso à tua claridade.
Reconheço o teu corpo, arquitectura
de terra ardente e lua inviolada,
flutuando sem limite na espessura
da noite cheirando a madrugada.
Acordaste na aurora, a boca rumorosa
de um desejo confuso de açucenas;
rosa aberta na brisa ou nas areias,
alta e branca, branca apenas,
e mar ao fundo, o mar das minhas veias.
Estás de pé na orla dos meus versos
ainda quente dos beijos que te dei;
tão jovem, e mais que jovem, sem mágoa
- como no tempo em que tinha medo
que tropeçasses numa gota de água.
Eugénio de Andrade
(1923-2005)
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sexta-feira, junho 24, 2011
Só o amor é nosso, e o soluço. Assim é a família para Carlos Nejar.
Família
Nossa família: as estações.
Nada sobra
do que julgam ser
as propriedades.
O corpo, a alma,
apenas usufruto.
Também os meus deveres.
Só o amor é nosso.
E o soluço.
Carlos Nejar
(1939)
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quinta-feira, junho 23, 2011
Música, nos versos de Menotti del Picchia. E no silêncio, mais suave que um harpejo, o meu beijo, o teu beijo, o nosso beijo...
Música
O sino que plange,
o alarido dos sapos que tange,
um clássico distante,
o pregão de um vendedor ambulante,
o Chopin romântico da vizinha de luto,
longas síncopes de silêncio absoluto...
E no silêncio, mais suave que um harpejo,
o meu beijo, o teu beijo, o nosso beijo...
Menotti del Picchia
(1892-1988)
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quarta-feira, junho 22, 2011
Na grande sala escura, só teus olhos existem para os meus. Olhos cor de romance e de aventura, longos como um adeus, nos versos de Guilherme de Almeida.
Cinema
Na grande sala escura,
só teus olhos existem para os meus:
olhos cor de romance e de aventura,
longos como um adeus.
Só teus olhos: nenhuma
atitude, nenhum traço, nenhum
gesto persiste sob o vácuo de uma
grande sombra comum.
E os teus olhos de opala,
exagerados na penumbra, são
para os meus olhos soltos pela sala,
uma dupla obsessão.
Um cordão de silhuetas
escapa desses olhos que, afinal,
são dois carvões pondo figuras pretas
sobre um muro de cal.
E uma gente esquisita,
em torno deles, como de dois sóis,
é um sistema de estrelas que gravita:
são bandidos e heróis;
são lágrimas e risos;
são mulheres com lábios de bombons;
bobos gordos, alegres como guizos;
homens maus e homens bons...
É a vida, a grande vida
que um deus artificial gera e conduz
num mundo branco e preto, e que trepida
nos seus dedos de luz...
Guilherme de Almeida
(1890-1969)
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terça-feira, junho 21, 2011
Olavo Bilac diz que quem ama inventa as penas em que vive. E que somente os loucos e amantes andam chorando na maior alegria.
Em mim também
Em mim também, que descuidado vistes,
Encantado e aumentando o próprio encanto,
Tereis notado que outras cousas canto
Muito diversas das que outrora ouvistes.
Me amastes, sem dúvida...Portanto,
Meditai nas tristezas que sentistes:
Que eu, por mim, não conheço cousas tristes.
Que mais aflijam, que torturem tanto.
Quem ama inventa as penas em que vive;
E, em lugar de acalmar as penas, antes
Busca novo pesar com que as avive.
Pois sabei que é por isso que assim ando:
Que é dos loucos somente e dos amantes
Na maior alegria andar chorando.
Olavo Bilac
(1865-1918)
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segunda-feira, junho 20, 2011
Em seu discurso em louvor da aeromoça, Manuel Bandeira pede a todos, a Deus e aos homens, pelas mulheres de sorrisos bonitos de chegada e partida nos aeroportos.
Discurso em louvor da Aeromoça
Aeromoças, aeromoças.
Que pisais o chão
Com donaire novo,
Não pareceis baixar de céus atuais
Mas dos antigos
Quando na Grécia os deuses ainda vinham se misturar com os homens.
Píndaro gostaria de cantar o vosso quotidiano heroísmo, tão simples,
a vossa graça, a vossa bondade.
No entanto, nada mais moderno do que vós,
Ó sorrisos bonitos de chegada e partida nos aeroportos.
Quem sem verdade e sem alma vos classificou de aeroviárias
A vós, autênticas aeronautas, irmãs intrépidas dos aviadores?
Em nome de sonhos frustrados de Clícia Zorovich,
Em nome da vida frustrada de Clícia
Reivindiquemos para vós a condição de tripulantes,
Ó flores da altura,
Insensíveis à vertigem e ao medo.
Santíssima Virgem Maria, mãe de Deus e advogada nossa,
Dai,
Dai um dia do vosso mês,
Cedei o último dia do vosso mês
Para que nele cantemos, louvemos, festejemos, agradeçamos
O quotidiano heroísmo, a graça, a bondade das aeromoças.
Alô, Alô, Aerovias Brasil, Linha Aérea Transcontinental Brasileira, Linhas Áereas Paulistas,
Lóide Aéreo Nacional, Nacional Transportes Aéreos, Panair do Brasil, Real Sociedade Anônima
de Transportes Aéreos, Serviços Aéreos Cruzeiro do Sul, Varig , Vasp, Viabrás:
Melhorai a condição da aeromoça!
Poeta Vinicius de Moraes, Sunset Boulevard 6.606, Los Angeles,
Tu, que celebraste com tanto amor os arquivistas,
Vem agora celebrar comigo a aeromoça.
Poeta e futuro senador Augusto Frederico Schmidt,
Escrevei no Correio da Manhã sobre a aeromoça,
Mandai flores da Gávea Pequena
Para a aeromoça.
Passageiros para São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Belém do Pará.
Pedi todos, a Deus e aos homens,
Pela aeromoça.
Manuel Bandeira
(1886-1968)
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domingo, junho 19, 2011
Não sabe por que, Mario Quintana sorriu de repente. E um gosto de estrela lhe veio na boca...
Noturno
Não sei por que, sorri de repente
E um gosto de estrela me veio na boca...
Eu penso em ti, em Deus, nas voltas inumeráveis que fazem os caminhos...
Em Deus, em ti, de novo...
Tua ternura tão simples...
Eu queria, não sei por que, sair correndo descalço pela noite imensa
E o vento da madrugada me encontraria morto junto de um arroio,
Com os cabelos e a fonte mergulhados na água límpida...
Mergulhados na água límpída, cantante e fresca de um arroio!
Mario Quintana
(1906-1994)
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sábado, junho 18, 2011
Sophia de Mello Breyner e sua difícil relação com o Senhor.
Senhor
Senhor sempre te adiei
Embora sempre soubesse que me vias
Quis ver o mundo em si e não em ti
E embora nunca te negasse te apartei.
Sophia de Mello Breyner
(1919-2004)
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sexta-feira, junho 17, 2011
Até a Iara de Guimarães Rosa é diferente das outras Iaras. Mas à noite, ele pode beijá-la, nua, dormida, esguia, bronzeada, oleosa, linda como todas as Iaras devem ser.
A Iara
Bem abaixo das colinas de ondas verdes,
onde o sol se refrata em agulhas frias,
descem todas as sereias dos mares e dos rios,
irreais e lentas, como espectros de vidro,
para os palácios de madrépora de Anfitrite,
em vale côncavo, transparente e verde,
num recanto abissal, como uma taça cheia,
entre bosques de sargaços, espumosos,
e rígidos jardins geométricos de coral...
Por entre os delfins, sentinelas de Posséidon,
afundam, suspensas, soltas, como grandes algas,
carregando os jovens afogados:
Ondinas das praias, flexuosas,
Nixes da água furtacor do Elba,
Havefrus do Sund e Russalkas do Don...
Loreley traz no esmalte doce dos olhos
duas gotas do Reno...
E Danaides laboriosas se desviam dos cardumes
de Nereidas,
que imergem, ondulando as caudas palhetadas
dos seus vestidos justos de lamé...
Mas a Iara não veio!...
Mas a Iara não vem!...
Porque a Iara tem sangue,
porque a Iara tem carne,
sangue de mulher moça da terra vermelha,
carne de peixe da água gorda do rio...
Iara de olhos verdes de muiraquitã,
cintura pra cima cunhantã,
cintura pra baixo tucunaré...
que veio, dormindo, Purus abaixo,
filha do filho do rei dos peixes
com uma índia branca Cachinauá...
Lá bem pra trás da boca aberta do rio,
onde solta seus diabos
o bicho feroz da pororoca,
ela ficou, cheia de medo,
brasiliana, tapuia, morena,
tão orgulhosa,
que não quer ser desprezada pelas outras...
E a Iara é preguiçosa,
tão preguiçosa,
que não canta mais as trovas lentas
em nheengatu:
- "Iquê, ianè retama icu.
Paraná inhana rumassaua quitó..."
Nem mais se esforça em seduzir
o canoeiro mura ou o seringueiro,
meio vestida com a gaze das águas,
na renda trançada dos igarapés...
E eu tenho de chorar:
- Enfeitiça-me, ó Iara,
que eu vim aqui pra me deixar vencer..."
Mas custa-me encontrá-la,
e só a noite sem bordas dessas terras grandes,
quando a lua e as ninféias desabrocham soltas,
posso beijá-la,
nua,
dormida,
esguia,
bronzeada,
oleosa,
na concha carmesim de uma vitória-régia,
tomando o banho longo
de perfume e luar...
Guimarães Rosa
(1908-1967)
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quinta-feira, junho 16, 2011
Alberto Caeiro diz que todas as opiniões que há sobre a natureza nunca fizeram crescer uma erva ou nascer uma flor. Para ele, se a ciência quer ser verdadeira, que ciência mais verdadeira que a das cousas sem ciência?
Todas as opiniões
Todas as opiniões que há sobre a natureza
Nunca fizeram crescer uma erva ou nascer uma flor.
Toda a sabedoria a respeito das cousas
Nunca foi cousa em que pudesse pegar como nas cousas;
Se a ciência quer ser verdadeira,
Que ciência mais verdadeira que a das cousas sem ciência?
Fecho os olhos e a terra dura sobre que me deito
Tem uma realidade tão real que até as minhas costas a sentem.
Não preciso de raciocínio onde tenho espáduas.
Alberto Caeiro, um dos heterônimos de
Fernando Pessoa
(1888-1935)
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terça-feira, junho 14, 2011
Cecília descobriu que na chácara de Chico Bolacha, o que se procura nunca se acha. Coitado do Chico Bolacha.
A chácara de Chico Bolacha
Na chácara de Chico Bolacha,
o que se procura
nunca se acha!
Quando chove muito,
o Chico brinca de barco,
porque a chácara vira charco.
Quando não chove nada,
Chico trabalha com a enxada
e logo se machuca
e fica de mão inchada.
Por isso, com o Chico Bolacha,
o que se procura
nunca se acha.
Dizem que a chácara do Chico
só tem mesmo chuchu
e um cachorrinho coxo
que se chama Caxambu.
Outras coisas, ninguém procure,
porque não acha.
Coitado do Chico Bolacha!
Cecília Meireles
(1901-1964)
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segunda-feira, junho 13, 2011
Se não fosse o Conde D'Eu, coitada da Dona Benvinda. Ditirambo, de Oswald de Andrade.
Ditirambo
No baile da Corte
Foi o Conde D'Eu quem disse
Para Dona Benvinda
Que farinha de Suruí
Pinga de Parati
Fumo de Baependi
É comê bebê pitá e caí.
Oswald de Andrade
(1890-1954)
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domingo, junho 12, 2011
Além da terra, além do céu, vamos conjugar, como ensina Drummond, o verbo fundamental, essencial. O verbo sempreamar, o verbo pluriamar, razão de ser e de viver.
Além da Terra, além do Céu
Além da Terra, além do Céu,
no trampolim do sem-fim das estrelas,
no rastro dos astros,
na magnólia das nebulosas.
Além , muito além do sistema solar,
além de onde alcançam o pensamento e o coração,
vamos!
vamos conjugar
o verbo fundamental essencial,
o verbo transcendente, acima das gramáticas
e do medo e da moeda e da política,
o verbo sempreamar,
o verbo pluriamar,
razão de ser e de viver.
Carlos Drummond de Andrade
(1902-1987)
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sexta-feira, junho 10, 2011
Durou um minuto a sobre-humana fé de Adélia Prado. Ela fala com tremor: eu não vi o leão, eu vi o senhor.
Neopelicano
Um dia,
como vira um navio
pra nunca mais esquecê-lo
vi um leão de perto.
Repousava
a anima bruta indivídua.
O cheiro forte, não doce,
cheiro de sangue a vinagre.
Exultava, pois não tinha palavras
e não tê-las prolongava-me o gozo:
é um leão!
Só um deus é assim, pensei!
Sobrepunha-se a ele
um outro animal
radiando na aura
de sua cor maturada.
Tem piedade de mim, rezei-lhe
premida de gratidão
por ser de novo pequena.
Durou um minuto a sobre-humana fé.
Falo com tremor:
eu não vi o leão,
eu vi o senhor.
Adélia Prado
(1935)
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quinta-feira, junho 09, 2011
Bertolt Brecht diz que a justiça é o pão do povo. E deve ser preparado pelo próprio povo: bastante, saudável, diário.
O pão do povo
A justiça é o pão do povo.
Às vezes bastante, às vezes pouca.
Às vezes de gosto bom, às vezes de gosto ruim.
Quando o pão é pouco, há fome.
Quando o pão é ruim, há descontentamento.
Fora com a justiça ruim!
Cozida sem amor, amassada sem saber!
A justiça sem sabor, cuja casca é cinzenta!
A justiça de ontem, que chega tarde demais!
Quando o pão é bom e bastante
O resto da refeição pode ser perdoado.
Não pode haver logo tudo em abundância.
Alimentado do pão da justiça
Pode ser feito o trabalho
De que resulta a abundância.
Como é necessário o pão diário
É necessária a justiça diária.
Sim, mesmo várias vezes ao dia.
De manhã, à noite, no trabalho, no prazer.
No trabalho que é prazer.
Nos tempos duros e nos felizes.
O povo necessita do pão diário
Da justiça, bastante e saudável.
Sendo o pão da justiça tão importante
Quem, amigos, deve prepará-lo?
Quem prepara o outro pão?
Assim como o outro pão
Deve o pão da justiça
Ser preparado pelo povo.
Bastante, saudável, diário.
Bertolt Brecht
(1898-1956 )
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quarta-feira, junho 08, 2011
Para Florbela Espanca, é tão triste morrer em sua idade. Aos vinte e três anos, ela sente que ser-se novo é ter-se o Paraíso.
Dizeres íntimos
É tão triste morrer na minha idade!
E vou ver os meus olhos, penitentes
Vestidinhos de roxo, como crentes
Do soturno convento da Saudade!
E logo vou olhar (com que ansiedade!...)
As minhas mãos esguais, languescentes,
De braços dados, uns bebês doentes
Que hão de morrer em plena mocidade!
E ser-se novo é ter-se o Paraíso,
É ter-se a estrada larga, ao sol, florida,
Aonde tudo é luz e graça e riso!
E os meus vinte e três anos... (Sou tão nova!)
Dizem baixinho a rir: "Que linda a vida!..."
Responde a minha Dor: "Que linda a cova!"
Florbela Espanca
(1894-1930)
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segunda-feira, junho 06, 2011
Leminski sabe que alguém parado é sempre suspeito. E que parar dá azar.
Alguém parado
alguém parado
é sempre suspeito
de trazer como eu trago
um susto preso no peito,
um prazo, um prazer, um estrago,
um de qualquer jeito,
sujeito a ser tragado
pelo primeiro que passar
parar dá azar
Paulo Leminski
(1944-1989)
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domingo, junho 05, 2011
Aos sete anos de idade, Fernando Pessoa escreve seus primeiros versos. Por muito que goste das terras onde nasceu, ele diz que prefere ir para a África e ficar ao lado de sua mãe.
À minha querida mamã
Eis-me aqui em Portugal,
Nas terras onde eu nasci,
Por muito que goste delas,
Ainda gosto mais de ti.
26 de julho de 1895
Fernando Pessoa
(1888-1935)
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sexta-feira, junho 03, 2011
Cesário Verde está cruel, frenético, exigente, mau humorado, sofre até com as desditas da vizinha. São as contrariedades de um poeta sem editor...
Contrariedades
Eu hoje estou cruel, frenético, exigente;
Nem posso tolerar os livros mais bizarros.
Incrível! Já fumei três maços de cigarros.
Consecutivamente.
Dói-me a cabeça. Abafo uns desesperos mudos:
Tanta depravação nos usos, nos costumes!
Amo, insensatamente, os ácidos, os gumes
E os ângulos agudos.
Sentei-me à secretária. Ali defronte mora
Uma infeliz, sem peito, os dois pulmões doentes;
Sofre de faltas de ar, morreram-lhe os parentes
E engoma para fora.
Pobre esqueleto branco entre as nevadas roupas!
Tão lívida! O doutor deixou-a. Mortifica.
Lidando sempre! E deve a conta na botica!
Mal ganha para sopas...
O obstáculo estimula, toma-nos perversos;
Agora sinto-me eu cheio de raivas frias,
Por causa dum jornal me rejeitar, há dias,
Um folhetim de versos.
Que mau humor! Rasguei uma epopéia morta
No fundo da gaveta. O que produz o estudo?
Mais duma redação, das que elogiam tudo,
Me tem fechado a porta.
A crítica segundo o método de Taine
Ignoram-na. Juntei numa fogueira imensa
Muitíssimos papéis inéditos. A imprensa
Vale um desdém solene.
Com raras exceções merece-me o epigrama.
Deu meia-noite, e em paz pela calçada abaixo,
Soluça um sol-e-dó. Chuvisca. O populacho
Diverte-se na lama.
Eu nunca dediquei poemas às fortunas,
Mas, sim, por deferência, a amigos ou a artistas.
Independente! Só por isso os jornalistas
Me negam as colunas.
Receiam que o assinante ingênuo os abandone,
Se forem publicar tais coisas, tais autores. Arte?
Não lhes convém, visto que os seus leitores
Deliram por Zaccone.
Um prosador qualquer desfruta fama honrosa,
Obtém dinheiro, arranja a sua coterie;
E a mim, não há questão que mais me contrarie
Do que escrever em prosa.
A adulação repugna aos sentimentos finos;
Eu raramente falo aos nossos literatos.
E apuro-me em lançar originais e exatos
Os meus alexandrinos...
E a tísica? Fechada e com o ferro aceso!
Ignora que a asfixia a combustão das brasas,
Não foge do estendal que lhe umedece as casas,
E fina-se ao desprezo!.
Mantém-se a chá e pão! Antes entrar na cova.
Esvai-se; e todavia, à tarde, fracamente,
Oiço-a a cantorolar uma canção plangente
Duma opereta nova!
Perfeitamente. Vou findar sem azedume.
Quem sabe se depois, eu rico e noutros climas,
Conseguirei reler essas antigas rimas,
Impressas em volume?
Nas letras eu conheço um campo de manobras;
Emprega-se à reclame, a intriga, o anúncio, a blague,
E esta poesia pede um editor que pague
Todas as minhas obras...
E estou melhor; passou-me a cólera. E a vizinha?
A pobre engomadeira ir-se-á deitar sem ceia?
Vejo-lhe luz no quarto; Inda trabalha. E feia...
Que mundo! Coitadinha!
Cesário Verde
(1855-1886)
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Cesário Verde
quinta-feira, junho 02, 2011
Recife em mar de presságio, um poema não tem porto, vaga que devolve o morto às areias do naufrágio. De Paulo Mendes Campos, um poeta no bar.
Poeta no bar
Que fazer de um instrumento,
Violoncelo, fonte, flauta,
A buscar um sofrimento
Que se encontra além da pauta?
Quando perdemos a voz,
Fala de nós e por nós
O personagem sem medo
Cujas palavras de olvido
Compõem o outro sentido
Do segredo de um degredo.
Tudo o que rói e escalavra,
Dente de marfim do mar,
Faca do vento a passar,
Lembra a busca da palavra.
Só conhecer a ciência,
Malarmaica paciência,
Capaz de achar a vogal
Que surde empós das toantes,
Escadindas consoantes
De uma pausa musical
Estas horas perdoadas,
Perdidas de quem nos ama,
São aflições combinadas
Às pantomimas do drama.
Um filamento de riso
Liga o inferno ao paraíso.
Se a noite esconde as estrelas,
Pode um palhaço brilhante
Dar um salto tão distante
Que seja digno de vê-las.
Este arlequim de pintura
Vai surgir aqui, apenas
Compare a sua figura
A minhas roupas terrenas.
Vão surgir do saltimbanco
Perfil, fronte, face e flanco.
Vou sofrer por artifício
O silêncio desta mesa
Que me exila na clareza
De meu puro sacritício.
Recife em mar de presságio,
Um poema não tem porto,
Vaga que devolve o morto
Às areias do naufrágio.
Paulo Mendes Campos
(1922-1991)
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quarta-feira, junho 01, 2011
O espelho enche-se com a tua imagem, mas sem ti o espelho fica vazio. E nele tenho que olhar o rosto que procuro, diz Nuno Júdice à mulher de sua vida.
Olhando –se
O espelho enche-se com a tua
imagem; e queria tirá-lo da tua
mão, e levá-lo comigo, para
que o teu rosto me acompanhe
onde quer que eu vá.
Mas sem ti, o espelho
fica vazio; e ao olhá-lo, vejo
apenas o lugar onde estiveste, e
os olhos que os meus olhos procuram
quando não sei onde estás.
Por que não fechas os olhos
para que o espelho te prenda, e
outros olhos te possam guardar,
para sempre, sem que tenham de olhar,
no espelho, o rosto que eu procuro?
Nuno Júdice
(1949)
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