adeus
já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
gastámos tudo menos o silêncio.
gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.
meto as mãos nas algibeiras
e não encontro nada.
antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro!
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes!
e eu acreditava!
acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
mas isso era no tempo dos segredos,
no tempo em que o teu corpo era um aquário,
no tempo em que os teus olhos eram peixes verdes.
hoje são apenas os teus olhos.
é pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.
já gastámos as palavras.
quando agora digo: meu amor...
já não se passa absolutamente nada.
e, no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.
não temos nada que dar.
dentro de ti
não há nada que me peça água.
o passado é inútil como um trapo.
e já te disse: as palavras estão gastas.
adeus.
Eugénio de Andrade
(1923-2005)
Mais sobre Eugénio de Andrade em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Eug%C3%A9nio_de_Andradee o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
gastámos tudo menos o silêncio.
gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.
meto as mãos nas algibeiras
e não encontro nada.
antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro!
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes!
e eu acreditava!
acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
mas isso era no tempo dos segredos,
no tempo em que o teu corpo era um aquário,
no tempo em que os teus olhos eram peixes verdes.
hoje são apenas os teus olhos.
é pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.
já gastámos as palavras.
quando agora digo: meu amor...
já não se passa absolutamente nada.
e, no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.
não temos nada que dar.
dentro de ti
não há nada que me peça água.
o passado é inútil como um trapo.
e já te disse: as palavras estão gastas.
adeus.
Eugénio de Andrade
(1923-2005)
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