segunda-feira, fevereiro 19, 2007

Clarice amava a cruz que doloridamente carregava. Era o mínimo que podia fazer da sua vida, aceitar comiseravelmente o sacrifício da noite.


Doçura

Nasci dura, heróica, solitária e em pé.
E encontrei meu contraponto na paisagem
sem pitoresco e sem beleza.
A feiúra é o meu estandarte de guerra.
Eu amo o feio com um amor de igual para igual.
E desafio a morte.
Eu - eu sou a minha própria morte.
E ninguém vai mais longe.
O que há de bárbaro em mim
procura o bárbaro e cruel fora de mim.
Vejo em claros e escuros os rostos das pessoas que vacilam às chamas da fogueira.
Sou uma árvore que arde com duro prazer.
Só uma doçura me possui:
a conivência com o mundo.
Eu amo a minha cruz,
a que doloridamente carrego.
É o mínimo que posso fazer de minha vida:
aceitar comiseravelmente o sacrifício da noite.

Clarice Lispector

(1920-1977)

Mais sobre Clarice Lispector em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Clarice_Lispector

2 comentários:

Anônimo disse...

Eu estou mw apaixonando cada vez mais por você. Ler as chamdas que voc]~]e escreve é tão gostoso quanto ler os poemas que você seleciona.
Bjs,
Chris

Anônimo disse...

Pena que ele já tem dono, né?