quinta-feira, junho 07, 2012
Nos versos de João Cabral de Melo, a vida vai-se indo aos pouquinhos. E o homem muda de cama, vai para o caixão.
Como a morte se infiltra
Certo dia, não se levanta
porque quer demorar na cama.
No outro dia ele diz por que:
é porque lhe dói algum pé.
No outro dia o que dói é a perna,
E nem pode apoiar-se nela.
Dia a dia lhe cresce um não,
um enrodilhar-se de cão.
Dia a dia ele aprende o jeito
em que menos lhe pesa o leito.
Um dia faz fechar as janelas:
dói-lhe o dia lá fora delas.
Há um dia em que não se levanta:
deixa-o para a outra semana,
Outra semana sempre adiada,
que ele não vê por que apressá-la.
Um dia passou vinte e quatro horas
incurioso do que é de fora.
Outro dia já não distinguiu
noite e dia, tudo é vazio.
Um dia, pensou: respirar,
eis um esforço que se evitar.
Quem deixou-o, a respiração ?
Muda de cama. Eis seu caixão.
João Cabral de Melo Neto
(1920-1999)
Mais sobre João Cabral de Melo Neto em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Jo%C3%A3o_Cabral_de_Melo_Neto
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Um comentário:
Triste e dura realidade. E nós na estrada. kkkk
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