Canção beige
Eu quero fazer a canção
das mulherinhas do meu tempo:
a canção beige, por exemplo,
mole, de lã, morna, sem cor,
quase sem rimas, sem amor,
sem nem um pouco de emoção,
como o esportivo coração
ou como os jerseys, por exemplo,
das mulherinhas do meu tempo.
Porque este é o tempo do cocktail
batido no último black-bottom.
Todas as coisas se desbotam
dentro do copo, todas são
iguais: a casca de limão,
a uva, a cereja...E, no hall do hotel,
no bar, as flores de Chanel
também rodinhas se desbotam
batidas no último black-bottom.
Esta é a canção sem intenção
e inconsequente como um flirt:
a canção beige que reflete
essas bonecas de kasha
jogando golf, tomando chá,
folheando o Vogue...Esta é a canção
em que a apagada sedução
da vida de hoje se reflete
inconsequente como um flirt.
Rádio, grill-room, sports, films e jazz...
Meu lindo século de feltro,
justo no mundo e liso e neutro
como chapéus numa porção
de cabecinhas (que ainda são
a causa louca que me faz
pensar numa canção capaz
de degradar esse tom neutro
do lindo século de feltro...).
Guilherme de Almeida
(1890-1969)
Mais sobre Guilherme de Almeida em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Guilherme_de_Almeida
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