quarta-feira, abril 27, 2011

Para Guimarães Rosa, há uma hora certa, no meio da noite, em que todas as águas dormem. Só a água dos olhos nunca tem sono.



Todas as águas dormem
 

Há uma hora certa,
no meio de noite, uma hora morta,
em que a água dorme. Todas as águas dormem:
no rio, na lagoa,
no açude, no brejão, nos olhos d'água,
nos grotões fundos.
E quem ficar acordado,
na barranca, a noite inteira,
há de ouvir a cachoeira
parar a queda e o choro,
que a água foi dormir...

Águas claras, barrentas, sonolentas,
todas vão cochilar.
Dormem gotas, caudais, seivas das plantas,
fios brancos, torrentes.
O orvalho sonha
nas placas de folhagem.
E adormece
até a água fervida,
nos copos de cabeceira dos agonizantes...

Mas nem todos dormem, nessa hora
de torpor líquido e inocente.
Muitos hão de estar vigiando,
e chorando, a noite toda,
porque a água dos olhos
nunca tem sono...

Guimarães Rosa
(1908-1967)

Mais sobre Guimarães Rosa em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Guimar%C3%A3es_Rosa

Um comentário:

Flávio Antunes Soares disse...

Eu ainda não conhecia este poema, é belíssimo.