A relativa eternidade
Cruzo a rua e vejo
sobre a montanha
que se ergue no horizonte
para além da Lagoa
nuvens matinais
iluminadas
contra um céu muito azul
como na primeira manhã do mundo
(ainda que
em todos os dias do ano
quando faz sol
essa festa matinal se tenha repetido
por séculos)
mas pouco importa:
é hoje manhã pela primeira vez
ainda que
antes de terem aqui chegado os portugueses
já ali estivessem a montanha
o céu azul
e as nuvens a se esgarçarem
quer houvesse
ou não
(como agora)
alguém para vê-los
e então me digo:
se o mundo dura tanto
e eu tão pouco
importa pouco
se ele não for eterno
Ferreira Gullar
(1930)
Mais sobre Ferreira Gullar em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Ferreira_Gullar
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