quarta-feira, fevereiro 12, 2014

Ana Cristina Cesar abriu curiosa o céu, afastando de leve as cortinas. Ela não sabia que virar pelo avesso era uma experiência mortal, mas foi.


Fagulha

Abri curiosa
o céu.
Assim, afastando de leve as cortinas.

Eu queria entrar,
coração ante coração,
inteiriça
ou pelo menos mover-me um pouco,
com aquela parcimônia que caracterizava
as agitações me chamando

Eu queria até mesmo
saber ver,
e num movimento redondo
como as ondas
que me circundavam, invisíveis,
abraçar com as retinas
cada pedacinho de matéria viva.

Eu queria
(só)
perceber o invislumbrável
no levíssimo que sobrevoava.

Eu queria
apanhar uma braçada
do infinito em luz que a mim se misturava.

Eu queria
captar o impercebido
nos momentos mínimos do espaço
nu e cheio

Eu queria
ao menos manter descerradas as cortinas
na impossibilidade de tangê-las

Eu não sabia
que virar pelo avesso
era uma experiência mortal.

Ana Cristina Cesar
(1952-1983)

Mais sobre Ana Cristina Cesar em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Ana_Cristina_C%C3%A9sar

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