segunda-feira, maio 13, 2013
Hilda Hilst diz que sempre se perdeu na criança que foi, tão confundida. Assim, ela responde aos que querem saber se ela pediu muito, ou se nada pediu, em sua vida.
Testamento lírico
Se quiserem saber se pedi muito
Ou se nada pedi, nesta minha vida,
Saiba, senhor, que sempre me perdi
Na criança que fui, tão confundida.
À noite ouvia vozes e regressos.
A noite me falava sempre sempre
Do possível de fábulas. De fadas.
O mundo na varanda. Céu aberto.
Castanheiras douradas. Meu espanto
Diante das muitas falas, das risadas.
Eu era uma criança delirante.
Nem soube defender-me das palavras.
Nem soube dizer das aflições, da mágoa
De não saber dizer coisas amantes.
O que vivia em mim, sempre calava.
E não sou mais que a infância. Nem pretendo
Ser outra, comedida. Ah, se soubésseis!
Ter escolhido um mundo, este em que vivo,
Ter rituais e gestos e lembranças.
Viver secretamente. Em sigilo
Permanecer aquela, esquiva e dócil.
Querer deixar um testamento lírico
E escutar (apesar) entre as paredes
Um ruído inquietante de sorrisos
Uma boca de plumas, murmurante.
Nem sempre há de falar-vos um poeta.
E ainda que minha voz não seja ouvida
Um dentre vós, resguardará (por certo)
A criança que foi. Tão confundida.
Hilda Hilst
(1930-2004)
Mais sobre Hilda Hilst em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Hilda_Hilst
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