sábado, outubro 10, 2015

Meia-noite amarela de sexta-feira, lua cheia, meia quaresma, no pequeno arraial. O assombramento toma conta da noite nos versos de Guimarães Rosa.

Assombramento
Meia-noite amarela de sexta-feira, com lua cheia, na meia quaresma, no pequeno arraial. Tinidos secos de matracas, gente cantando orações tétricas em frente às cruzes das encruzilhadas, pedindo ao povo que está dormindo rezas para as almas do purgatório que eles estão encomendando. E logo atrás vêm vultos brancos, almas penadas sussurrando, com ossos de defuntos alumiando nas frias mãos brancas. Mulas-sem-cabeça galopam doidas, pelas estradas, queimando o capim com as chispas dos cascos. Há lobisomens uivando, na velha igreja tábuas rangendo. caixões pretos junto das cruzes, mortalhas largadas diante das portas, uma mulher longa sentando nos telhados, e o Pitorro, assentado no morro, de chapéu na cabeça, cachimbando. Por entre as sepulturas, o fogo-fátuo de fósforo escorre: é um grande raio da lua amarela, que desceu, por engano, ao cemitério, e lá vai fugindo, assombrado, amedrontado, sem tempo de sumir. Latiram ao longe: foi a noite, soltando os seus cachorros "Corta-Vento", "Rompe-Ferro", "Acode-a-Tempo", para o socorrer...
Guimarães Rosa (1908-1967)

 Mais sobre Guimarães Rosa em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Guimar%C3%A3es_Rosa

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