domingo, setembro 21, 2014
Para Drummond, eterno é o amor que une e separa. Para ele, o esquecimento ainda é memória, eterno é o fim.
Permanência
Agora me lembra um, antes me lembrava outro.
Dia virá em que nenhum será lembrado.
Então no mesmo esquecimento se fundirão.
Mais uma vez a carne unida, e as bodas
cumprindo-se em si mesmas, como ontem e sempre.
Pois eterno é o amor que une e separa, e eterno o fim
(já começara, antes de ser), e somos eternos,
frágeis, nebulosos, tartamudos, frustados: eternos.
E o esquecimento ainda é memória, e lagoas de sono
selam em seu negrume o que amamos e fomos um dia,
ou nunca fomos, e contudo arde em nós
à maneira da chama que dorme nos paus de lenha jogados no galpão.
Carlos Drummond de Andrade
(1902-1987)
Mais sobre Carlos Drummond de Andrade em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Carlos_Drummond_de_Andrade
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domingo, setembro 14, 2014
Escreve-me, ainda que seja uma só palavra, uma palavra apenas. Cinco letras pequenininhas, no pedido da Flor mais bela.
Escreve-me ...
Escreve-me! Ainda que seja só
Uma palavra, uma palavra apenas,
Suave como o teu nome e casta
Como um perfume casto d'açucenas!
Escreve-me! Há tanto, há tanto tempo
Que te não vejo, amor! Meu coração
Morreu já, e no mundo aos pobres mortos
Ninguém nega uma frase d'oração! "Amo-te!"
Cinco letras pequeninas,
Folhas leves e tenras de boninas,
Um poema d'amor e felicidade!
Não queres mandar-me esta palavra apenas?
Olha, manda então...brandas...serenas...
Cinco pétalas roxas de saudade...
Florbela Espanca
(1894-1930)
Mais sobre Florbela Espanca em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Florbela_Espanca
Escreve-me! Ainda que seja só
Uma palavra, uma palavra apenas,
Suave como o teu nome e casta
Como um perfume casto d'açucenas!
Escreve-me! Há tanto, há tanto tempo
Que te não vejo, amor! Meu coração
Morreu já, e no mundo aos pobres mortos
Ninguém nega uma frase d'oração! "Amo-te!"
Cinco letras pequeninas,
Folhas leves e tenras de boninas,
Um poema d'amor e felicidade!
Não queres mandar-me esta palavra apenas?
Olha, manda então...brandas...serenas...
Cinco pétalas roxas de saudade...
Florbela Espanca
(1894-1930)
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sábado, setembro 13, 2014
Mario Quintana sabia que a morte sempre chega pontualmente na hora incerta. E invejava Tolstoi, que realizou um velho sonho da infância.
Poema da Gare do Astapovo
O velho Leon Tolstoi fugiu de casa aos oitenta anos
E foi morrer na gare de Astapovo!
Com certeza sentou-se a um velho banco,
Um desses velhos bancos lustrosos pelo uso
Que existem em todas as estaçõezinhas pobres do mundo,
Contra uma parede nua...
Sentou-se... e sorriu amargamente
Pensando que
Em toda a sua vida
Apenas restava de seu a Glória,
Esse irrisório chocalho cheio de guizos e fitinhas
Coloridas
Nas mãos esclerosadas de um caduco!
E então a Morte,
Ao vê-lo sozinho àquela hora
Na estação deserta,
Julgou que ele estivesse ali à sua espera,
Quando apenas sentara para descansar um pouco!
A Morte chegou na sua antiga locomotiva
(Ela sempre chega pontualmente na hora incerta...)
Mas talvez não pensou em nada disso, o grande Velho,
E quem sabe se até não morreu feliz: ele fugiu...
Ele fugiu de casa...
Ele fugiu de casa aos oitenta anos de idade...
Não são todos os que realizam os velhos sonhos da infância!
Mario Quintana
(1906-1994)
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Mario Quintana
domingo, setembro 07, 2014
Eu sou trezentos, sou trezentos-e-cincoenta, mais um dia afinal eu toparei comigo... Será que Mario de Andrade se encontrou mesmo ou ficou o esquecimento?
Eu sou trezentos
Eu sou trezentos, sou trezentos-e-cinquenta,
As sensações renascem de si mesmas sem repouso,
Ôh espelhos, ôh! Pirineus! ôh caiçaras!
Si um deus morrer, irei no Piauí buscar outro!
Abraço no meu leito as melhores palavras,
E os suspiros que dou são violinos alheios;
Eu piso a terra como quem descobre a furto
Nas esquinas, nos táxis, nas camarinhas seus próprios [beijos!
Eu sou trezentos, sou trezentos-e-cinquenta,
Mas um dia afinal eu toparei comigo...
Tenhamos paciência, andorinhas curtas,
Só o esquecimento é que condensa,
E então minha alma servirá de abrigo.
Mario de Andrade
(1892-1945)
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Mário de Andrade
sábado, setembro 06, 2014
Mais e mais, Álvaro de Campos sente o sono da soma de tantas desilusões. É o sono da síntese de todas as suas desesperanças.
O sono que desce sobre mim
O sono que desce sobre mim,
O sono mental que desce fisicamente sobre mim,
O sono universal que desce individualmente sobre mim -
Esse sono
Parecerá aos outros o sono de dormir,
O sono da vontade de dormir,
O sono de ser sono.
Mas e mais, mais de dentro, mais de cima:
O sono da soma de todas as desilusões,
É o sono da síntese de todas as desesperanças,
É o sono de haver mundo comigo lá dentro
Sem que eu houvesse contribuído em nada para isso.
O sono que desce sobre mim
É contudo como todos os sonos.
O cansaço tem ao menos brandura,
O abatimento tem ao menos sossego,
A rendição é ao menos o fim do esforço,
O fim é ao menos o já não haver que esperar.
Há um som de abrir uma janela,
Viro indiferente a cabeça para a esquerda
Por sobre o ombro que a sente,
Olho pela janela entreaberta:
A rapariga do segundo andar de defronte
Debruça-se com os olhos azuis à procura de alguém.
De quem?
Pergunta a minha indiferença.
E tudo isso é sono.
Meu Deus, tanto sono!...
Álvaro de Campos, um dos heterônimos de
Fernando Pessoa
(1888-1935)
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Alvaro de Campos
quinta-feira, setembro 04, 2014
Um dia e a vida. Segundo uma andorinha cantadora e um poeta com seus versos.
Andorinha
Andorinha lá fora está dizendo:
— “Passei o dia à toa, à toa!”
Andorinha, andorinha, minha cantiga é mais triste!
Passei a vida à toa, à toa…
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segunda-feira, setembro 01, 2014
Para Leminski, muda a regra, muda o mapa, muda toda a trajetória. Num ano ímpar, só não muda a nossa história.
1987, tende piedade de nós
anos ímpares
são anos vítimas
anos sedentos
de sangue e vingança
todo gozo será punido
e o deserto será nossa herança
anos ímpares
são sarampo ínguas cataporas
bocas que praticam
tacos e cacos de línguas
lixos onde mora a memória
muda a regra, muda o mapa
muda toda a trajetória
num ano impar,
só não muda a nossa história
Paulo Leminski
(1944-1989)
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