sábado, junho 07, 2014

Fora de mim, fora de nós, no espaço, a música dolente de uma valsa. E a vontade de chorar que vinha de todas as coisas, diz a dor de Vinicius de Moraes.


Suspensão

Fora de mim, fora de nós, no espaço, no vago
A música dolente de uma valsa
Em mim, profundamente em mim
A música dolente do teu corpo
E em tudo, vivendo o momento de todas as coisas
A música da noite iluminada.
O ritmo do teu corpo no meu corpo...
O giro suave da valsa longínqua, da valsa suspensa...
Meu peito vivendo teu peito
Meus olhos bebendo teus olhos, bebendo teu rosto...
E a vontade de chorar que vinha de todas as coisas.

Vinicius de Moraes
(1913-1980)

Mais sobre Vinicius de Moraes em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Vin%C3%ADcius_de_Moraes


No pensamento meu, amor, tu vives nua, toda nua, nos meus braços. E te amo como se ama um passarinho morto, na paixão de Manuel Bandeira.


Boda espiritual

Tu não estás comigo em momentos escassos:
No pensamento meu, amor, tu vives nua
- Toda nua, pudica e bela, nos meus braços.

O teu ombro no meu, ávido, se insinua.
Pende a tua cabeça. Eu amacio-a...afago-a
Ah, como a minha mão treme...Como ela é tua...

Põe no teu rosto o gozo uma expressão de mágoa.
O teu corpo crispado alucina. De escorço
O vejo estremecer como uma sombra nágua.

Gemes quase a chorar. Súplicas com esforço.
E para amortecer teu ardente desejo
Estendo longamente a mão pelo teu dorso...

Tua boca sem voz implora em um arquejo.
Eu te estreito cada vez mais, e espio absorto
A maravilha astral dessa nudez sem pejo...

E te amo como se ama um passarinho morto.

Manuel Bandeira
(1886-1968)

Mais sobre Manuel Bandeira em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Manuel_Bandeira

domingo, junho 01, 2014

Álvaro de Campos diz que às vezes tem idéias felizes. E se pergunta: por que escrevi isto, onde fui buscar isto, de onde me veio isto?


Às vezes

Às vezes tenho idéias felizes,
Idéias subitamente felizes, em idéias
E nas palavras em que naturalmente se despegam...

Depois de escrever, leio...
Por que escrevi isto?
Onde fui buscar isto?
De onde me veio isto? Isto é melhor do que eu...
Seremos nós neste mundo apenas canetas com tinta
Com que alguém escreve a valer o que nós aqui traçamos?

Álvaro de Campos, um dos heterônimos de

Fernando Pessoa
(1888-1935)

Mais sobre Fernando Pessoa em 
http://pt.wikipedia.org/wiki/Fernando_Pessoa