domingo, agosto 10, 2014

Para Drummond, a falta que ama procura alguém que não há. É a falta ou ele que sente o sonho do verbo amar?


A falta que ama

Entre areia, sol e grama
o que se esquiva se dá,
enquanto a falta que ama
procura alguém que não há.

Está coberto de terra,
forrado de esquecimento.
Onde a vista mais se aferra,
a dália é toda cimento.

A transparência da hora
corrói ângulos obscuros:
cantiga que não implora
nem ri, patinando muros.

Já nem se escuta a poeira
que o gesto espalha no chão.
A vida conta-se, inteira,
em letras de conclusão.

Por que é que revoa à toa
o pensamento, na luz?
E por que nunca se escoa
o tempo, chaga sem pus?

O inseto petrificado
na concha ardente do dia
une o tédio do passado
a uma futura energia.

No solo vira semente?
Vai tudo recomeçar?
É a falta ou ele que sente
o sonho do verbo amar?

Carlos Drummond de Andrade
(1902-1987)

Mais sobre Carlos Drummond de Andrade em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Carlos_Drummond_de_Andrade

Um comentário:

Anônimo disse...

“Mistério mesmo depois de deixar este mundo sempre estarei protegida pelos Ramos da árvore.”

A cidade que moro é uma província, se morasses aqui entenderias a passagem acima.

Sempre tenho acompanhado através do “reader” as tuas postagens nem sempre sei se aparece em tuas estatísticas