domingo, março 05, 2006

O Amor.


O Amor morto antes de nascer.

Eu sempre imaginei que as palavras podiam dizer tudo.
Tudo o que meu coração sonhava.
Vivi uma grande ilusão.
A ilusão de que, em meu silêncio, bastava sentir.
E todos entenderiam tudo o que eu sentia.
A minha dor seria confortada.
E o amor retribuído.
Tudo sem que eu precisasse dizer nada.
Quando me parti quase por inteiro de tanto amor, descobri que aquela era a dor maior.
A dor do amor que não sabia se fazer nascer.
Um amor abortado dói.
Dói muito mais do que um amor perdido.
Um amor não vivido, agora eu sei, é um sofrimento que se carrega pela vida.
É uma ferida profunda, daquelas que não saram nunca.
E o pior é que toda aquela dor não era nem sabida.
Nem por ela, nem por ninguém.
Ela foi muito amada, mas nunca teve certeza disso.
Pensava, talvez como eu, que aquilo tudo era uma brincadeira.
Ou um jogo, uma daquelas brincadeiras ainda dos tempos de criança.
Éramos apenas dois adolescentes, duas almas jovens que não sabiam nada da vida.
E naquela casa grande, em que vivemos tantos momentos felizes, meu coração ficou calado.
Da minha boca, não saiu nunca uma só palavra.
Nem um gesto mais ousado.
Nada, nada que pudesse ser entendido.
Nada que dissesse o que eu sentia.
E quanto mais calado eu ficava, mais me obrigava a escrever.
Enchi páginas e páginas com as palavras que não tinha coragem de dizer.
Quantas declarações de amor meu coração guardou só para ele.
E eram todas para ela.
Mas ao ver o seu sorriso, ficava mudo.
Diante do seu olhar, ficava paralisado.
Quando ela falava, eu não conseguia escutar nada.
Meu coração disparava com um bater tão forte que eu ficava surdo.
Meus olhos nada enxergavam, ficava tudo escuro.
O fôlego faltava, o peito doía, parecia que me partia por dentro.
O amor da melhor época da minha vida, foi-se para sempre.
Perdi-o ainda menino.
Para sempre.
Como devo ter perdido tantos outros em minha vida.
Dos que ganhei, nem vou falar.
O meu coração endurecido por tantas guerras ainda bate forte.
O tempo passou, tudo aconteceu.
Tudo, inclusive nada.
Nada foi como eu tinha sonhado.
Foi, como foi possível.
Sempre.
Aquele sonho de um amor primeiro virou pó.
Outros nasceram, cresceram, muitos morreram de morte morrida.
Poucos, de morte matada.
Mas, pelo menos, eu os vivi.
Intensamente, com todas as minhas forças.
Nunca mais fiquei mudo diante do amor.
Nunca mais me faltaram as palavras.
Nunca mais tive medo de me expor.
De gritar o meu sentimento.
De tanto dizer o que estava sentindo, deixei só de pensar.
Sofri o bom sofrimento.
Aliás, sofrendo é o gerúndio que se tornou infinito em minha vida.
Mas, eu agora amo, com toda a minha emoção.
Amo, e muito.
Cada vez, mais.
Cada dia, mais.
Apesar de tudo.
Apesar de mim.
Apesar da vida.
Apesar de todos.
E como aprendi que o poeta tem sempre a palavra certa, vou socorrer-me do maior deles para bem dizer o que deveria ter sido o eterno amor.
Aquele da metade do século passado.
Quando os anos eram dourados.
Quando eu ainda acreditava que bastava sentir para viver um grande amor.

JALR

O Amor

O amor, quando se revela,
Não se sabe revelar.
Sabe bem olhar p'ra ela,
Mas não lhe sabe falar.
Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há de *dizer.
Fala: parece que mente
Cala: parece esquecer

Ah, mas se ela adivinhasse,
Se pudesse ouvir o olhar,
E se um olhar lhe bastasse
Pr'a saber que a estão a amar!

Mas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente!

Mas se isto puder contar-lhe
O que não lhe ouso contar,
Já não terei que falar-lhe
Porque lhe estou a falar...

Fernando Pessoa
(1888-1935)

Mais sobre Fernando Pessoa em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Fernando_Pessoa

Um comentário:

Mirella disse...

José Antonio Leão Ramos . Ficaria feliz de receber seu e-mail no meu ,p/ quem sabe poder trocarmos ideias literárias....:
Obrigada
Mirella

williamthormann@yahoo.co.uk