sábado, março 24, 2012

Queria dizer-te uma coisa doce: a tua ausência dói-me. É quando a tua voz me chama de dentro de mim, de Nuno Júdice para a mulher amada..


Ausência

Quero dizer-te uma coisa simples: a tua
Ausência dói-me. Refiro-me a essa dor que não
Magoa, que se limita à alma, mas que não deixa,
Por isso, de deixar alguns sinais - um peso
Nos olhos, no lugar da tua imagem, e
Um vazio nas mãos, como se tuas mãos lhes
Tivessem roubado o tacto. São estas as formas
Do amor, podia dizer-te; e acrescentar que
As coisas simples também podem ser complicadas,
Quando nos damos conta da diferença entre o sonho e a realidade.
Porém, é o sonho que me traz à tua memória; e a
Realidade aproxima-te de ti, agora que
Os dias que correm mais depressa, e as palavras
Ficam presas numa refracção de instantes,
Quando a tua voz me chama de dentro de
Mim - e me faz responder-te uma coisa simples,
Como dizer que a tua ausência me dói.

Nuno Júdice

Mais sobre Nuno Júdice em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Nuno_J%C3%BAdice

sexta-feira, março 23, 2012

Em sua balada, Paulo Mendes Campos está buscando o amor perfeito. Ela, o amor de sua vida.



Balada do amor perfeito

Pelos pés das goiabeiras,
pelos braços das mangueiras,
pelas ervas fratricidas,
pelas pimentas ardidas,
fui me aflorando.

Pelos girassóis que comem
giestas de sol e somem,
por marias-sem-vergonha,
dos entretons de quem sonha
fui te aspirando.

Por surpresas balsaminas,
entre as ferrugens de Minas,
por tantas voltas lunárias,
tantas manhãs, cinerárias,
fui te esperando.

Por miosótis lacustres,
por teus cânticos ilustres,
pelos súbitos espantos
de teus olhos agapantos,
fui te encontrando.

Pelas estampas arcanas
do amor das flores humanas,
pelas legendas candentes
que trazemos nas sementes,
fui te avivando.

Me evadindo das molduras
de minhas albas escuras,
pelas tuas sensitivas,
açucenas, sempre-vivas,
fui me virando.

Pela rosa e o resedá,
pelo trevo que não há,
pela torta linha reta
da cravina do poeta,
fui te levando.

Pelas frestas das lianas
de tuas crespas pestanas,
pela trança rebelada
sobre o paredão do nada,
fui te enredando.

Pelas braçadas de malvas,
pelas assembléias alvas
de teus dentes comovidos,
pelo caule dos gemidos
fui te enflorando.

Pelas fímbrias de teu húmus,
pelos reclames dos sumos,
sobre as umbelas pequenas
de tuas tensas verbenas
fui me plantando.

Por tuas tuas arestas góticas,
pelas orquídeas eróticas,
por tuas hastes ossudas,
pelas ânforas carnudas,
fui te escalando.

Por teus pistilos eretos,
por teus acúleos secretos.
pelas úsneas clandestinas
das virilhas de boninas,
fui me criando.

Pelos favores mordentes
das ogivas redolentes,
pelo sereno das zínias,
pelos lábios de glicínias,
fui te sugando.

Pelas tardes de perfil,
pelos pasmados de abril,
pelos parques do que somos,
com seus bruscos cinamonos,
fui me espaçando.

Pelas violas do fim,
nas esquinas do jasmim,
pela chama dos encantos
de fugazes amarantos,
fui me apagando.

Afetando ares e mares
pelas mimosas vulgares,
pelos fungos do meu mal,
do teu reino vegetal
fui me afastando.

Pelas gloxínias vivazes,
com seus labelos vorazes,
pela flor que se desata,
pela lélia purpurata,
fui me arrastando.

Pelas papoulas da cama,
que vão fumando quem ama,
pelas dúvidas rasteiras
de volúveis trepadeiras
fui te deixando.

Pelas brenhas, pelas damas
de uma noite, pelos dramas
das raízes retorcidas,
pelas sultanas cuspidas,
fui te olvidando.

Pelas atonalidades
das perpétuas, das saudades,
pelos goivos do meu peito,
pela luz do amor perfeito,
vou te buscando.

Paulo Mendes Campos
(1922-1991)

Mais sobre Paulo Mendes Campos em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Paulo_Mendes_Campos






quinta-feira, março 22, 2012

Só, com o poder de ver do coração, Fernando Pessoa quer sentir-se definitivamente ser ninguém. E dele mesmo demitir-se por não ter procedido bem.



Bem, hoje

Bem, hoje que estou só e e posso ver
Com o poder de ver do coração
Quando não sou, quanto não posso ser,
Quanto, se o for, serei em vão,

Hoje, vou confessar, quero sentir-me
Definitivamente ser ninguém,
E de mim mesmo, altivo, demitir-me
Por não ter procedido bem,

Falhei a tudo, mas sem galhardias,
Nada fui, nada ousei e nada fiz,
Nem colhi as urtigas dos meus dias
A flor de parecer feliz.

Mas fica sempre, porque o pobre é rico
Em qualquer cousa, se procurar bem,
A grande indiferença com que fico,
Escrevo-o para lembrar bem.

Fernando Pessoa
(1888-1935)

Mais sobre Fernando Pessoa em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Fernando_Pessoa 

quarta-feira, março 21, 2012

Tudo o que passa, tudo o que dura, tudo, tudo, tudo, não passa de caricatura de você. Minha amargura de ver que viver não tem cura, na triste constatação de Leminski.


Leite, leitura


Leite, leitura
letras, literatura
tudo o que passa
tudo o que dura
tudo o que duramente passa
tudo o que passageiramente dura
tudo, tudo, tudo
não passa de caricatura
de você, minha amargura
de ver que viver não tem cura.

Paulo Leminsk
(1944-1989)

Mais sobre Paulo Leminski em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Paulo_Leminski

terça-feira, março 20, 2012

Sem o suor a vida não seria luta, nem o amor amor. Para Saramago, é assim mesmo a arte de amar, como já diziam os antigos.


Arte de Amar


Metidos nesta pele que nos refuta,
Dois somos, o mesmo que inimigos.
Grande coisa, afinal, é o suor
(Assim já o diziam os antigos):
Sem ele, a vida não seria luta,
Nem o amor amor.

José Saramago
(1922-2010)

Mais sobre José Saramago em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Jos%C3%A9_Saramago

segunda-feira, março 19, 2012

O jornal dobrado, a laranja verde, a faca que aparou e o verso nascido. Frescos como o pão, nos versos de João Cabral de Melo.


A mesa


O jornal dobrado
sobre a mesa simples;
a toalha limpa,
a louça branca

e fresca como o pão.

A laranja verde:
tua paisagem sempre,
teu ar livre, sol
de tuas praias; clara

e fresca como o pão.

A faca que aparou
teu lápis gasto;
teu primeiro livro
cuja capa é branca

e fresca como o pão.

E o verso nascido
de tua manhã viva,
de teu sonho extinto, ainda leve, quente

e fresco como o pão

João Cabral de Melo 
(1920-1999)

Mais sobre João Cabral de Melo Neto em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Jo%C3%A3o_Cabral_de_Melo_Neto

domingo, março 18, 2012

Drummond sabe que o amor antigo vive de si mesmo, tem raízes fundas e a cada dia surge mais amante. Venceu a dor, tanto mais velho quanto mais amor.



O amor antigo

O amor antigo vive de si mesmo,
não de cultivo alheio ou de presença.
Nada exige nem pede. Nada espera,
mas do destino vão nega a sentença.

O amor antigo tem raízes fundas,
feitas de sofrimento e de beleza.
Por aquelas mergulha no infinito,
e por estas suplanta a natureza.

Se em toda parte o tempo desmorona
aquilo que foi grande e deslumbrante,
a antigo amor, porém, nunca fenece
e a cada dia surge mais amante.

Mais ardente, mas pobre de esperança.
Mais triste? Não. Ele venceu a dor,
e resplandece no seu canto obscuro,
tanto mais velho quanto mais amor.

Carlos Drummond de Andrade
(1902-1987)

Mais sobre Carlos Drummond de Andrade em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Carlos_Drummond_de_Andrade

sexta-feira, março 16, 2012

Para meus olhos, quando chorarem, terem doçuras de almas e plumas. Para mim mesma, no apelo de Cecília Meireles.


Para mim mesma

Para meus olhos, quando chorarem,
terem belezas mansas de brumas,
que na penumbra se evaporarem...

Para meus olhos, quando chorarem,
terem doçuras de almas e plumas...

E as noites mudas de desencanto
se constelarem, se iluminarem
como os astros mortos, que vêm no pranto...

As noites mudas de desencanto...
Para meus olhos quando chorarem...

Para meus olhos, quando chorarem,
terem divinas solicitudes
pelos que mais se sacrificarem...

Para meus olhos, quando chorarem,
verterem flores sobre os paludes...

Para que os olhos dos pecadores
que os homens humilharem, que os maltratarem
tenham carinhos consoladores,

Se, em qualquer noite de ânsias e dores,
os olhos tristes dos pecadores
para os meus olhos se levantarem...

Cecília Meireles
(1901-1964)

Mais sobre Cecília Meireles em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Cec%C3%ADlia_Meireles

quinta-feira, março 15, 2012

Para Ledo Ivo, o poeta deve queimar tudo o que puder, não deixar aos catadores do lixo literário nenhuma migalha. Não confiar a ninguém o seu segredo, a verdade não pode ser dita.


A queimada.

Queime tudo o que puder:
as cartas de amor
as contas telefônicas
o rol de roupas sujas
as escrituras e certidões
as inconfidências dos confrades ressentidos
a confissão interrompida
o poema erótico que ratifica a impotência
e anuncia a arterioesclerose
os recortes antigos e as fotografias amareladas.

Não deixe aos herdeiros esfaimados
nenhuma herança de papel.
Seja como os lobos: more num covil
e só mostre à canalha das ruas
os seus dentes afiados.

Viva e morra fechado como um caracol.
Diga sempre não à escória eletrônica
Destrua os poemas inacabados, os rascunhos,
as variantes e os fragmentos
que provocam o orgasmo tardio dos filólogos e escoliastas.

Não deixe aos catadores do lixo literário nenhuma migalha.
Não confie a ninguém o seu segredo.
A verdade não pode ser dita.

Ledo Ivo
(1924)

Mais sobre Ledo Ivo em
http://pt.wikipedia.org/wiki/L%C3%AAdo_Ivo

quarta-feira, março 14, 2012

Por que chegaste tarde, ó meu Amor? No grito de Florbela Espanca, a triste sensação de que há cem anos ela era nova e linda!


Tarde demais...

Quando chegaste enfim, para te ver
Abriu-se a noite em mágico luar;
E pra o som de teus passos conhecer
Pôs-se o silêncio, em volta, a escutar...

Chegaste, enfim! Milagre de endoidar!
Viu-se nessa hora o que não pode ser:
Em plena noite, a noite iluminar
E as pedras do caminho florescer!

Beijando a areia d'oiro dos desertos
Procurara-te em vão! Braços abertos,
Pés nus, olhos a rir, a boca em flor!

E há cem anos que eu era nova e linda!...
E a minha boca morta grita ainda:
Por que chegaste tarde, ó meu Amor?!...

Florbela Espanca
(1894-1930)

Mais sobre Florbela Espanca em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Florbela_Espanca


domingo, março 11, 2012

Ah, só eu sei quanto dói meu coração. E não o posso dizer porque sentir é como o céu, lamenta Fernando Pessoa.


Ah, só

Ah, só eu sei
Quanto dói meu coração
Sem fé nem lei,
Sem melodia, nem razão.

Só eu, só eu,
E não o posso dizer
Porque sentir é como o céu
Vê-se mas não há nele que ver.

Fernando Pessoa
(1888-1935)

Mais sobre Fernando Pessoa em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Fernando_Pessoa

sábado, março 10, 2012

À janela de seu apartamento, Ferreira Gullar limpa as unhas da mão. Enquanto isso, na galáxia M 31, extingue-se uma estrela.



Registro

À janela
de meu apartamento
à rua Duvivier 49
(sistema solar, planeta Terra,
Via Láctea)
limpo as unhas da mão
por volta das quatro e quarenta da tarde
do dia 2 de dezembro de 2008
enquanto
na galáxia M 31
a 2 milhões e 200 mil anos-luz de distância
extingue-se uma estrela

Ferreira Gullar
(1930)

Mais sobre Ferreira Gullar em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Ferreira_Gullar

sexta-feira, março 09, 2012

Nos versos de Carlos Pena Filho, depois de fazer-se cinza, Carolina, a cansada, se lembrou de ser esquife. Abandonou seu corpo incendiado e adormeceu nas brumas do Recife.


Soneto das metamorfoses

Carolina, a cansada, fez-se espera.
Não por temor ao mar, mas ao perigo
de com ela incendiar-se a primavera.

Carolina, a cansada, que então era,
despiu, humildemente, as vestes pretas,
e incendiou navios e corvetas
já cansada, por fim, de tanta espera.

E cinza fez-se. E teve o corpo implume
escandalosamente penetrado
de imprevistos azuis e claro lume.

Foi quando se lembrou de ser esquife:
abandonou seu corpo incendiado
e adormeceu nas brumas do Recife.

Carlos Pena Filho
(1929-1960)

Mais sobre Carlos Pena Filho em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Carlos_Pena_Filho

quinta-feira, março 08, 2012

Meu Deus, eu quero a mulher que passa, canta Vinicius de Moraes. Ela, a que pacifica, que é tanto pura como devassa... e tem raízes como a fumaça.


A mulher que passa

Meu Deus, eu quero a mulher que passa.
Seu dorso frio é um campo de lírios
Tem sete cores nos seus cabelos
Sete esperanças na boca fresca!

Oh! como és linda, mulher que passas
Que me sacias e suplicias
Dentro das noites, dentro dos dias!

Teus sentimentos são poesia
Teus sofrimentos, melancolia.
Teus pêlos leves são relva boa
Fresca e macia.
Teus belos braços são cisnes mansos
Longe das vozes da ventania.

Meu Deus, eu quero a mulher que passa!

Como te adoro, mulher que passas
Que vens e passas, que me sacias
Dentro das noites, dentro dos dias!
Por que me faltas, se te procuro?
Por que me odeias quando te juro
Que te perdia se me encontravas
E me encontrava se te perdias?

Por que não voltas, mulher que passas?
Por que não enches a minha vida?
Por que não voltas, mulher querida
Sempre perdida, nunca encontrada?
Por que não voltas à minha vida?
Para o que sofro não ser desgraça?

Meu Deus, eu quero a mulher que passa!
Eu quero-a agora, sem mais demora
A minha amada mulher que passa!

No santo nome do teu martírio
Do teu martírio que nunca cessa
Meu Deus, eu quero, quero depressa
A minha amada mulher que passa!

Que fica e passa, que pacifica
Que é tanto pura como devassa
Que bóia leve como a cortiça
E tem raízes como a fumaça.
Vinicius de Moraes
(1913-1990)

Mais sobre Vinicius de Moraes em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Vinicius_de_Moraes

quarta-feira, março 07, 2012

Silvia Plath diz que gentileza plana sobre sua casa. Dama Gentileza, tão amável!


Gentileza

Gentileza plana sobre minha casa.
Dama Gentileza, tão amável!
As jóias azuis e vermelhas de seus anéis enfumaçam
Nas janelas, os espelhos
Enchem-se de sorrisos.

O que é tão real quanto o choro de uma criança?
O grito de um coelho pode ser mais selvagem,
Mas não tem alma.
O açúcar pode curar qualquer coisa, segundo Gentileza.
O açúcar é um fluido necessário,

Seus cristais são pequenos cataplasmas.
Oh, gentileza, gentileza,
Delicadamente juntando pedaços!
Minhas sedas japonesas, borboletas desesperadas,
Podem ser trespassadas a qualquer momento, anestesiadas.

E aí vem você com uma xícara de chá
Envolta em vapor.
O jato de sangue é poesia,
Não há como estancá-lo.
Você me entrega duas crianças, duas rosas.

Sylvia Plath
(1932-1963)

Mais sobre Sylvia Plath em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Sylvia_Plath

terça-feira, março 06, 2012

Alguém sorriu como Nossa Senhora à alma triste do Poeta. Ele voltou para casa e quis louvar o bem que lhe fizeram, mas adormeceu...



A canção que não foi escrita

Alguém sorriu como Nossa Senhora à alma triste do Poeta.
Ele voltou para casa
E quis louvar o bem que lhe fizeram.
Adormeceu...
E toda a noite brilhou no sono dele uma pobre estrelinha perdida.
Trêmula
Como uma luz contra o vento...

Mario Quintana
(1906-1994)

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http://pt.wikipedia.org/wiki/M%C3%A1rio_Quintana

segunda-feira, março 05, 2012

Tanto de amor se disse que Manuel Alegre não sabe como dizer que amor é outra coisa. Afinal, tanto se disse menos o dizer esta paixão que é de todo o ser.


Sextina

Tanto de amor se disse que não sei
Como dizer que amor é outra coisa
Que nem só o teu corpo me fez rei
Nem tua alma só me deu a rosa
Tanto se disse menos o dizer
Esta paixão que é de todo o ser

E ao fim do ser ainda a outra coisa
Mais do que corpo e alma e ser não ser
Como entre vida e morte e sexo e rosa
Um morrer e um nascer. Como dizer
Este reino em que sou o servo e o rei
Como dizer se tanto e ainda não sei

Como dizer este Elsenor sem rei
Se tanto disse menos o dizer
Esta paixão que sabe o que não sei
Em Elsenor de ser e de não ser
Senão que amor ainda é outra coisa
Como entre o corpo e a morte o anjo e a rosa

Como dizer do sexo a alma e a rosa
Se amor é mais que ter e mais que ser
Um morrer ou nascer ou outra coisa
Entre a vida e a morte e um não dizer
Senão que disse tanto e ainda não sei
Como dizer de amor se servo ou rei

Se disse tanto menos o dizer
Esta paixão da alma que não sei
Se é o sexo ou seu anjo ou só o ser
Entre a vida e a morte o breve rei
Deste reino que fica à beira-rosa
Do teu corpo onde amor é outra coisa

Como dizer de amor ser e não ser
Se amor mais do que amor é outra coisa
Mais do que ser e ter mais que dizer
Um morrer e nascer entre anjo e rosa
Ou entre o corpo e a alma o servo e o rei
Como dizer se tanto e ainda não sei

Manuel Alegre

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http://pt.wikipedia.org/wiki/Manuel_Alegre

domingo, março 04, 2012

Murilo Mendes viveu entre os homens. Que não o viram, não o ouviram, nem o consolaram.



Amor - Vida

Vivi entre os homens
Que não me viram, não me ouviram
Nem me consolaram.
Eu fui o poeta que distribui seus dons
E que não recebe coisa alguma.
Fui envolvido na tempestade do amor,
Tive que amar até antes do meu nascimento.
Amor, palavra que funda e consome os seres.
Fogo, fogo do inferno: melhor que o céu.

Murilo Mendes
(1901-1975)

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http://pt.wikipedia.org/wiki/Murilo_Mendes

sábado, março 03, 2012

Para Abgar Renault, a vida sempre tem uma faca na mão. Vai direto ao coração, dói em tudo, torna toda a poesia um jogo raso e inútil.



A vida tem uma faca na mão

Vamos parar de ler. Paremos de escrever.
Olhos e mãos circulam no papel
ao serviço da dor e da desgraça,
mas as palavras são frias e sem fel

para exprimir o desespero dessa taça.
Ninguém sabe escrever. E ninguém pode ler
o que fica, depois de tanta luta fútil,
da escuridão desvirginada do teu ser

na indiferença de uma folha de papel.
Hoje, ontem, amanhã - amanhã sobretudo -
a vida sempre tem uma faca na mão,

vai sob as unhas, vai direto ao coração,
dói nos olhos, nos pés, dói na alma, dói em tudo,
torna toda a poesia um jogo raso e inútil.

Abgar Renault
(1901-1995)

Mais sobre Abgar Renault em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Abgar_Renault




quinta-feira, março 01, 2012

Nos versos de Ricardo Reis, tudo que cessa é morte. E a morte é nossa se é para nós que cessa.


Tudo que cessa

Tudo que cessa é morte, e a morte é nossa
Se é para nós que cessa. Aquele arbusto
Fenece, e vai com ele
Parte da minha vida.
Em tudo quanto olhei fiquei em parte.
Com tudo quanto vi, se passa, passo,
Nem distingue a memória
Do que vi do que fui.

Ricardo Reis, um dos heterônimos de

Fernando Pessoa
(1888-1935)

Mais sobre Fernando Pessoa em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Fernando_Pessoa